sexta-feira, 24 de junho de 2016

Nos Trilhos da Vida


Ninguém sabe quando nasce, para o que nasce uma pessoa...
Amália Rodrigues
Sempre achei que canalizaria toda a minha energia num percurso de vida dito "normal". Desde jovem, sonhei ser professora. Achei que a minha intervenção junto das gerações mais novas poderia fazer a diferença. Hoje, sei que apesar de ter vocação para ensinar, pois de certo não teria competência para desempenhar outra qualquer função, jamais continuarei a entregar a minha vida à docência. Já dei por encerrado esse capítulo da minha vida.
Aspirações profissionais, já não as tenho! Não me interessam. Se tenho interesses? Sim, muitos! Gosto de muitas coisas, faço muitas coisas. A forma como preencho os meus dias agrada-me sobejamente!
Outrora, à boa maneira urbana, sonhei que poderia construir uma carreira na docência do ensino superior. Já dava aulas na faculdade, já tinha tido a minha rampa de lançamento. Com contrato efetivo e com fama de boa profissional, não me restava se não continuar! A verdade é que as coisas mudam! As ideias e os interesses se vão alterando ao sabor da vida. As perspetivas e a visão do futuro vai-se adaptando às novas vontades e formas de estar na vida...
Quando o meu saudoso Pai partiu abriu-se espaço a uma profunda reflecção interna. Já não era a primeira vez que tinha de reunir os pertences de alguém muito querido que também já cá não estava. Passei muitas horas a contemplar os objetos que Ele tinha reunido e guardado ao longo de uma vida. Passei outras tantas horas a retirar todo o material que ele tinha no escritório. O mais importante permanecia intocável para todo o sempre - o meu Pai. Foi um Pai excelente, não me canso de o dizer. Foi o meu melhor amigo, amparou-me na doença, partilhou comigo momentos bons e maus, amou-me incondicionalmente e até, por vezes, foi companhia de folia! Durante horas infindáveis privou-se da companhia da família para que não nos faltasse nada. Um dia levei-o ao trabalho, pois já não tinha forças para conduzir, nesse mesmo dia deu entrada no Hospital Militar para nunca mais de lá sair! Nas horas que lá passei à sua cabeceira desfrutando os últimos dias da sua companhia, ouvi-o falar dos seus sonhos, das viagens que queria fazer quando dali saísse, de ir comigo pescar, de irmos a Alcântara aos petiscos de que tanto gostávamos... A verdade é que eu sabia que isso nunca seria possível, pois não tinha ilusões. Diariamente lhe dizia o quanto o amava com medo de nunca mais o ver com vida.
Nesta época da vida tive de equacionar muitas coisas. Que importância tinha realmente uma carreira? A verdade é que preferia ter tido uma vida menos folgada, podendo desfrutar mais da Sua companhia. Hoje, casada e com um filho, decidi que o quero ver crescer, desfrutar da sua companhia e dedicar-me ao que de melhor tenho - as pessoas que fazem parte da minha vida!
Em busca de um sonho de vida, abandonei a cidade onde nasci e cresci, descurei e reneguei objetivos antigos e mudei-me para uma quinta isolada no interior do país. Aqui encontrei a paz que tanto desejei ao longo de uma prolongada insatisfação incerta. Nunca, há uns anos atrás, me imaginei neste contexto de vida, nesta existência pacata, calma, tranquila, não com menos trabalho. Pelo menos tenho a satisfação de saber que trabalho para mim.
Assim, ninguém sabe quando nasce...