segunda-feira, 11 de maio de 2020

Agora, Todos Espreitamos pela Mesma Janela




Ah pois é!

Em tempos de confinamento social, devido à pandemia do Covid19, ficámos todos reduzidos à igualdade. As epidemias à escala global oferecem-nos estas lições de vida.

Historicamente, as pandemias têm o condão de brindar a Humanidade com a tão almejada Igualdade. Embora esse conceito esteja na boca do mundo, poucos são aqueles cuja língua não é traída  pelos comportamentos e ações. 

Já tenho vertido muitas letras sobre o preconceito que ensombra os portadores de doença mental. Como membro dessa comunidade já vivi e presenciei o samaritano humanitário a desprezar os loucos. A minha experiência nestas lides é tal, que adquiri a capacidade de "ouvir" a cara daqueles que dizem desprezar quem nos despreza. E da cara ecoam outras palavras…

O preconceito é fruto da ignorância, do desconhecimento e falta de informação. Se nem todos podemos ser informados e gostar de procurar informação, todos temos o dever de estar quietos e calados, mesmo tendo vontade de menosprezar e maltratar alguém gratuitamente. 

Há uns tempos, gente de valores dúbios, empenhou-se em destruir a minha família (por motivos que não vou mencionar) apropriando-se do facto de eu sofrer de doença bipolar. Não foi difícil inventar umas larachas bizarras para ser incriminada. Afinal, ser-se bipolar ou agressora e criminosa era a mesma coisa. Não houve lugar a grandes averiguações, dado que a bipolaridade seria em si a explicação. 

Algumas das pessoas que tomaram parte neste "evento", são exatamente as mesmas que, publicamente e, através dos seus cargos também públicos, se pavoneiam em escolas e sessões, apregoando os valores da igualdade, da tolerância e da paz entre todos. Pior, há quem esteja ligado ao ensino. E, revolveu-me as entranhas saber que disseram ao meu Filho, na escola, que a mãe era maluca. Eis ao que chega a maldade dos tolerantes dissimulados.

O meu Filho, quando tinha seis anos, ao ser arrastado para esta mar de maldade, não conseguia compreender por que razão o facto de a mãe ter uma doença era motivo de gozo. A sua lógica era muito simples - porque gozam, se podem ficar doentes? Sempre soube que o M. era uma criança inteligente. Mas dada a sua tenra idade, pergunto-me: ele é muito inteligente, ou há adultos demasiados estúpidos? Fica a pergunta no ar.

Contextualizado o problema da discriminação, dos efeitos nefastos e devassos do estigma nos doentes e respetivas famílias, passo ao cerne da questão.

Em séculos idos, também as pestes atingiram camponeses, clérigos e nobres, tanto inferiores, superiores e poderosos entre si, em vida, como reduzidos a ossos, todos iguais, na morte. Tempos que esporadicamente foram contrariando a ideia de que existem pessoas mais importantes do que outras. Épocas que reduzem os homens à mesma pobre igualdade, grandeza ou insignificância. 


Nas Catacumbas de Paris, a visão de milhares e milhares de ossos, que nem a vista alcança, depressa nos transporta para a certeza de que, um dia, também os nossos ossos se confundirão com todos os outros. A Capela dos Ossos, em Évora, integra essa corrente social, que invadiu toda a Europa, também ela invadida por epidemias mortíferas e em grande escala.

Hoje, assistem-se a fenómenos estranhos. No mesmo prédio, onde cai a lágrima, ao ouvir a notícia de que o médico acabou de salvar outra vida, risca-se-lhe o carro, por ter lá o seu apartamento, e ter o descaramento de ir lá descansar, depois de um turno de 48 horas, a tentar salvar mais uma vida, mas ainda assim, tem a ousadia de poder vir a contaminar os vizinhos. 

Mas será que ocorre aos habitantes desse prédio que, numa ida ao supermercado, poderão, também eles, voltar contaminados, e por sua vez, ostracizados por quem, há dias atrás, discriminava em uníssono consigo?

A minha experiência, infelizmente, diz-me que a discriminação, apesar de sintomática do calibre social, mental e humano de quem a pratica, investe o seu agente de uma presumida superioridade face ao alvo. O mesmo é dizer que a pessoa que incorre no crime da discriminação julga-se legitimamente impune face à sua prática. Numa linguagem mais bárbara, o mesmo é dizer que, aquele que discrimina coloca-se a si mesmo num plano de superioridade, face a outras camadas populacionais. E eis-nos numa idade social, pouco mais evoluída, do que a dos tempos medievais.

Não sou versada em Antropologia ou Sociologia, mas recorrendo a alguns conhecimentos científicos e à minha experiência pessoal, de muitos anos como vítima de preconceito, permito-me ter uma opinião formada acerca do tipo de pessoas que adota estas posturas. 

Infelizmente, muitas pessoas, julgando-se num ilusório plano de superioridade pessoal, social e intelectual, encontram-se tão convencidas da realidade da imagem que fizeram de si mesmos, que, quando cai o pano, e se apercebem que valem tanto, ou tão pouco como todos os outros, sofrem. Sofrem porque só sabem viver ostracizando e inferiorizando os denominados diferentes. Só aí, conseguem cair na sua vulgaridade e, com sorte, se apercebem que também fazem parte deste bolo que é a Humanidade.

Nesta Humanidade, em tempos idos, apedrejavam-se os leprosos. Mas as leprosarias estavam povoadas por muitos daqueles que, meses antes, se riam e atiravam pedras e esses pobres excluídos, grupo a que passaram a pertencer. 

Há fenómenos que têm destas coisas. A lepra, a peste negre, a SIDA, a COVID19, a loucura… 

Reduzem-nos à igualdade. 

Pena que seja desta maneira, mas a verdade é que me agrada ver que, quer queiramos, quer não, agora todos espreitamos pela mesma janela...