terça-feira, 10 de setembro de 2019

Muda o Filme e Compra as Pipocas (A Minha Rentrée III)



Este blog, para mim, para além de ser um lugar de partilha de informação, de modus vivendi, de receitas e afins, nestes últimos tempos, acabou por se transformar num muro onde derramei muitos pensamentos, certas revoltas, mas também muitas verdades sombrias acerca da natureza humana que, quando aliada ao não sei de nada e a culpa não foi minha, assume contornos macabros e mesmo inimagináveis.

É hábito dizer-se que, o sol, quando nasce, é para todos. O Triunfo dos Porcos, por seu turno, é bem claro quanto à igualdade dos seres humanos, pois uns são "mais iguais do que outros". Quanto a mim, no alto dos meus 42 anos vividos, julgo que a história do sol é a correta, mas como o quotidiano português se faz de igualdades mais iguais do que outras, só existe um remédio para se ter direito ao sol - LUTAR!

Não aquela luta baixa da prepotência e do coletivo anónimo contra o ser individual, mas da luta pela verdade e pelo que se acredita. Por vezes, é preciso calcorrear muito, não à procura da verdade, porque essa não se muda, mas do rasto da verdade. Como investigadora, versada em pesquisa documental, consegui seguir o rasto desse caminho, encontrei-o e estruturei-o. 

Sempre achei o povo luso pouco dotado de ação e muito versado em conversa sobre a ação que os outros não têm coragem de fazer. Ou seja, falam, falam, falam… Sofri problemas gravíssimos relacionados com corrupção moral, difamação, obstrução de justiça, abuso de poder, e confesso que ainda não corri o Código Penal até ao fim, para continuar a somar os c. de que a minha Família foi vítima. Tomando o fio à meada, foi-me pedido (em contexto de sigilo profissional) os meus contactos para auxiliar vítimas como eu (sim, nós não fomos os únicos). A triste verdade é que o medo continua a imperar neste Portugal que, afinal, não difere daquele dos poderes primitivos e arbitrários. O sistema local, para mim, consegue assumir contornos verdadeiramente, não pidescos, pois isso é eufemismo, mas estalinistas. Já para não falar da ignorância generalizada acerca de muitas coisas. Mas a pergunta permanece  sempre na minha mente - Se não sabe, por que é que fala???

Passado é passado, atos são atos, declarações são declarações, registos são registos, verdades são verdades e, como contra fatos não há argumentos, já está longe das minhas mãos, não são contas do meu rosário e, doravante, somos apenas aqueles que viram, sentiram, viveram e gastaram… para o que der e vier...

Adoro de coração os "virar de páginas". Quando a tragédia bate à porta, vai-se à luta, cai-se por terra, levanta-se, torna-se a cair, mas eu acredito que acabamos sempre por superar. Sofro de perturbação bipolar, e quando adoeço não tenho esta capacidade funcional, pois fico simplesmente catatónica, na pior das hipóteses, e obviamente, não tenho forças para nada. Mas estes, são aspetos ignorados por muitas pessoas, pois acredito (ou quero acreditar) que se não fossem tão ignorantes não fariam ou diriam certas coisas. Fiz este à parte para que, alguém que me esteja a ler e seja também portador desta doença, não julgue que não é capaz de ir à luta como todas as outras pessoas. Estas coisas não são condicionadas por doenças, mas por formas de estar na vida.

A verdade é que há coisas que nos passam por cima, como se de um tornado se tratasse. À sua passagem, fica um rasto de destruição. Mas tudo o que é destruído, se faz falta, precisa de se reconstruir. Nessa reconstrução, repensam-se as estruturas, reforçam-se as paredes e previnem-se estragos futuros. O tornado perde a força, e, se houver próximo, tudo será diferente e menos difícil. Nós, como família, mas principalmente como casal, pois o nosso Filho tem que ser preservado a todo o custo, estamos mais felizes, mais coesos, mais unidos e mais unidos do que nunca! 

O ano letivo começa dentro de poucos dias. Este ano estivemos um mês e meio na praia. Houve espaço para descanso, sabor a vitória e um bronze daqueles que não tinha há muitos anos! Como passámos muito tempo fora, e fomos para uma casa nova que está ainda pouco equipada, a bagagem era mais do que muita. Trouxe também a roupa da estação nova, para o miúdo, uns trapos para mim e para o mais que tudo. Como viciada em produtos alimentares de toda a sorte, aproveitei para adquirir especiarias várias, ingredientes para bolachas caseiras, massas, etc.. Já cá estou há quase uma semana e ainda falta acabar de reestruturar os frascos da cozinha, de forma a poder encaixar estas coisas novas.

Há mais do que um ano que não conseguia ter aquela rotina que tanto me apraz. Na verdade foi tudo muito complicado, uma neurocirurgia tão delicada à coluna, não é compatível com tudo de que fomos vítimas. 

Agora, posso sentir aquela satisfação que as rentrées sempre me deram. Tenho estado a trabalhar sobre planos de toda a ordem. 
As minhas atividades são mais que muitas. Há projetos pessoais que cristalizaram por via das circunstâncias, objetivos familiares em mira, ideias relacionadas com a gestão doméstica e orçamental. Em suma, a palavra de ordem é "colocar tudo em ordem". As atividades desportivas são para continuar, a alimentação para controlar e disciplinar. Farturas, churros, bolas de Berlim na praia e gelados precisam de ser banidos para repor a saúde do organismo (eu nem fui a que cometeu mais asneiras). Voltemos à rotina dos pequenos almoços nutritivos, apetitosos e saudáveis, bolachinhas caseiras (maioritariamente light, mas por vezes tradicionais), um bolo à quinzena (a meias com o meu ajudante de palmo e meio), elaboração de menus diversificados e completos e tantas outras coisas mais.

Quanto às atividades lúdicas em Família, optámos por manter o "Dia da Família", que é aquele dia fixo que tiramos apenas para usufruirmos uns dos outros. Aproveita-se para ver uma aldeia nova, rumar a uma feira local, fazer um picnic ou, em dias mais escuros e chuvosos, ir brincar na piscina usufruindo do bilhete familiar.

De resto, haverá muita matéria nova para estudar em casa, fichas de avaliação para as quais será preciso treinar, gramática para explicar, contas para fazer e todas essas coisas que fazem parte da parentalidade participativa e consciente, nosso apanágio desde sempre. De resto, não nos podemos queixar, o M. é um menino inteligente, gosta de aprender, tem facilidade em fazê-lo, mas como todos os gaiatos, nem sempre tem a paciência necessária para estudar. Mas confesso que, muitas vezes, quando acordava de madrugada para poder estar "das nove às 5" no Arquivo em investigação para o Doutoramento, nem sempre tinha a paciência e energia necessárias para trabalho tão extenuante!

A mensagem que importa deixar, por hoje, é que, mais uma vez, volta a rentrée, pintada do encanto que eu gosto e me conforta. Não gosto muito de ter certezas quanto ao futuro (sei que há matérias que me vão ocupar bastante), mas manifesto muita vontade de retomar, exatamente onde fiquei. 

Quanto ao blog, tentarei manter a assiduidade que era habitual, reabilitarei certas páginas que ficaram uma pouco abandonadas, e claro, a gerência doméstica reocupará o seu lugar. A organização da vida familiar será partilhada na sua vertente organizacional. Tenho muitos e variados interesses, tratar da minha família e ser mãe é uma prioridade e uma missão de vida, para mim. Com esta inspiração nasceu o (En)fada(da) do Lar, e será sempre esta a minha mira.

Chegou a rentrée, por favor, troquem o filme, e comprem-se as pipocas..


Nota - Ressalva-se a inverdade de alguns conteúdos.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Tantos Livros Que Eu Já Li...


Parece que foi ontem. Numa última subida ao terraço, do prédio, despedia-me das férias, sem saber o que seria o futuro. 

Não tarda, fará dois anos de uma enorme provação de toda a ordem. Se algum dia cheguei a duvidar que a noite deixasse, para sempre, a verdade escondida na sua escuridão, hoje, volto às terras de Caparica, certa de que cada pedacinho da história, cada palavra, cada ato, a claridade do dia abarcará. Quando se vive uma experiência, sabemos exatamente aquilo por que passámos. Hoje, amanhã ou daqui a um mês, diremos sempre a mesma coisa.

Qual detetive, após desvendar O Mistério, sinto um enorme alívio. Confesso que com tanta salganhada, já duvidava de mim mesma. Não que me sentisse insana (para azar de muita gente), mas porque não queria acreditar em muitas coisas que via desenrolarem-se à minha frente. Tão enganada andava eu, acerca da natureza humana. Acho que, quando temos a felicidade de estarmos rodeados de pessoas maravilhosas, não conseguimos conceber que resida tanto ódio, ganância, mesquinhice e tantas outras coisas feias, demasiado abjetas para estragar o texto.


Já fiz parte de um rebanho mais vasto, chamado Corpo Docente. Não no sentindo pejorativo, atenção. Para ser franca, não querendo ser parcial, a classe docente é uma das mais indispensáveis para um País. Pelos Bancos da Escola, passa o Portugal de hoje e do amanhã, mas também passou o de ontem. Os professores ensinam os filhos da Nação. Por seu turno, as crianças, adolescentes e jovens adultos, levam muita dessa educação para casa. O inverso também acontece, mas, muitas vezes, da pior maneira. Os miúdos trazem problemas graves, a nível comportamental, e os professores, a bem da prática harmoniosa das atividades letivas, precisam de ajustar estratégias capazes de manter um salutar convívio entre todos. Ser professor é um trabalho admirável, vital para o desenvolvimento da sociedade, acima de tudo, na sua génese, resulta da necessidade coletiva de se projetar no futuro, como se de um instinto de sobrevivência se tratasse. 
Pena de que, de que um Niagara tão profícuo, jorrem, por vezes, águas tão poluídas. Há quem consinta na violência dentro da escola, se é para não ter trabalho ou não, não sei, mas sei que ouvir da boca de alguém que se diz professor: são brincadeiras normais entre as crianças, é aberrante. Se for daquelas brincadeiras que dão direito a Urgência Hospitalar, então, não tenho qualificativos para me referir a professores de tão fraca formação académica e pessoal! 

A escola é o laboratório onde se preparam seres humanos para rumarem ao futuro, munidos de utensilagem intelectual, psicológica e social que lhes permita fazer face à mudança, num esforço coletivo, tendo como objetivo a construção de um Portugal dinâmico, sério, sustentável e meritocrático e íntegro. E eu pergunto-me: onde é que fica a parte de resolver os problemas à estalada?? 

Numa escavação arqueológica: um diz que encontrou um percutor em quartzo e que é necessário referenciar, mas o colega diz que é só um pedregulho. Pois então, treinemos as nossas crianças para resolver estas questões ao murro, e ao pontapé! 


Infelizmente, em muitas escolas, por via da estratégica "cabeça na areia", é confortável apelidar a violência de brincadeiras normais. Por essas e por outras, o meu Filho já está no Karaté. Quem sabe um dia, apanha no trabalho, um colega formatado neste discurso do coice!

Na minha Família, pela via materna, sou a terceira geração de professoras. Línguas Românicas, Educação Visual e História respetivamente. 

Com a minha Avó Lu, aprendi, fundamentalmente, a Ciência da Didática, que ela transformava em arte de ensinar, não tivesse dado à estampa dezenas de manuais de Francês. 

Com a minha Mãe, como sou pouco dada, ou interessada em Belas-Artes, conversei sobre História de Arte, mas, essencialmente, ela ensinou-me tantas, mas tantas coisas, na área da pedagogia. Mais do que décadas a dar aulas, meteu-se de cabeça a ajudar centenas de adolescentes, com os mais diversos problemas comportamentais. Tirou, cursos, formações, dominou problemáticas como a toxicodependência, delinquência infantil, abusos de menores, e tantas coisas mais. Tem o jogo de cintura que é preciso para dominar violência numa escola. Quer a nível de prevenção primária, quer secundária. Acabou por regressar à Universidade, onde fez uma dissertação sobre o assunto, conseguindo compilar toda uma séria de aprendizagens teóricas, bem fundamentadas no terreno. Uma escola na periferia de Lisboa, não é um sítio calmo para se trabalha, muito menos depois de perder um filho. Lamenta-se a existência de professores (pouco dignos do título e com práticas duvidosas) que estejam a leste disto tudo. A isto eu chamo de letargia social e profissional.

42 anos, uns dirão que sou nova, outros que já sou cota. Não tenho a idade dos anos que vivi, mas do que muito vi. Há anos que passam por nós com menos tempestuosidade, outros nem por isso. Não me posso orgulhar de ter tido uma vida sem percalços, mas acho que isso deve ser transversal a muita gente. No entanto, o que tenho tido de feliz, tenho de complicações. Às vezes chego a pensar que a missão de vida de muitos infelizes, é moer a cabeça de gente sã e satisfeita.

Superei muitos obstáculos, perdi muitas batalhas e, pior do que isso tudo, perdi pessoas muito amadas. Amo, das mais diversas formas, muitas pessoas, sou amada e estimada por outras tantas. Tenho um casamento maravilhoso e, com a minha cara metade, divido a parentalidade de um menino que muito amamos e estimamos. 

Quanto à minha Mãe, cujo amor incondicional por mim não tem par, não há qualificativos possíveis para definir uma relação tão peculiar e boa. No fundo, somos duas mulheres feitas que, com a força das circunstâncias, tiveram que aprender a não baixar a guarda. Costumo dizer que somos as sobreviventes da Família.

Há muitos anos, tendo deixado a vida laboral, consegui dedicar-me a muitos outros assuntos importantes, e até a tarefas, que um dia julguei ocas, mas que enchi de um importante conteúdo. Há umas semanas, recebi uma proposta para dar aulas numa Escola Superior de Educação, em Lisboa, e foi surpreendente a prontidão com que não aceitei. Há anos, isto seria impensável, mesmo com problemas de saúde, atirar-me-ia a uma missão destas, como já fiz no passado.

Que sou de saúde frágil, não é segredo para ninguém. Sou bipolar e, no dia em que o soube, recebi uma das melhores notícias da minha vida. A partir de então, orientei o meu caminho. À custa de medicação, sim. Ser doente ou tomar psicofármacos, embora constitua um pecado social, é um ótimo detetor de parvoíce e estupidez. São tantas as "bácoras" que se ouvem que, nem sei se ria, se chore!!

Somam-se 24 longos meses, durante os quais, a minha Família foi atirada ao pântano. Eu, que sempre nadei em águas cristalinas, vi-me perante o desafio de ter de tirar o lixo do caminho. Tanto que eu aprendi. O que as pessoas fazem pelo poder, pela vingança, pela simples cobiça, ou puramente para salvar a pele. Foi mau, mas a verdade é que aprendi muitas coisas. 

Uma das coisas que eu aprendi, é que muitos males fortalecem as famílias, em vez de as separarem. O meu Filho sofreu muito, mas a verdade é que sofrer também é crescer. E foi gratificante perceber que ele está fortalecido. Continua dócil, mas quando lhe batem, sabe defender-se. Se nos disserem, o seu Filho queria bater no colega porque este lhe bateu, e não é assim que se resolvem as coisas. Ai não? Decidam-se. Constou-me que, alguém disse a uma certa pessoa que eu cá sei, que foi lá fazer uma visita de vistoria, que a tareia é uma brincadeira normal entre as crianças. Pelos vistos, só quando o meu Filho apanha é que é normal! Quanta imparcialidade...


Eu tenho uma doença, que, do ponto de vista social, é das mais estigmatizantes. Cheguei a ser vítima de insultos verbais, de voz bem alta, na via pública (uma tipa aos berros na rua a chamar-me maluca?!). Digo isto, não pela importância que dou a esses gestos de baixo nível, mas para dizer que o meu Filho, como parte integrante desta dinâmica familiar, está devidamente consciente do assunto. Como pais responsáveis que somos, pedi conselho a uma amiga pediatra acerca da idade ideal para, os dois, fazermos uma visita formativa, a uma médica pedopsiquiatra. A mãe louca, de quem todos falam, não é a mãe que o M. vê em casa. Que seja um adulto bem formado, humano, empático e sensível, é o meu desejo. É para isso que me esforço como Mãe. Quantos aos outros, que continuem a fazer bom proveito de certas aprendizagens escolares e familiares, e resolvam os seus assuntos à chapada! As farmácias agradecem.

Quanto a mim, e ao nós familiar, continuaremos na nossa quintinha pacata. Não sabemos o que o futuro nos reserva, pois por vezes a podridão teima em não desintegrar-se facilmente. Mas ficamos com a certeza de que, depois de tanto que vivemos, num ano em que comemorámos uma década de matrimónio e, em que eu ganhei uma nova vida com as vértebras arranjadas, nos amamos e defendemos ainda mais. O M. interiorizou, à custa de muito sofrimento, que na verdade, na defesa pessoal pacífica, e no respeito pelo próximo, é que está a arte de viver com retidão. Podia ter virado, a despeito de todos os nossos esforços, mas não… 

Aqui fica um trecho de uma canção que escreveu, quando as aulas terminaram, chama-se - Somos todos iguais. Ainda para mais, um aluno de excelência. E sim…. tem brincadeiras normais entre as crianças, mas não incluem murros, nem pontapés….. Por cá cultiva-se o cérebro e não a violência!

Quanto a mim, foram mais penas, mais aprendizagens, mais informação assimilada e aprendida, muitas pesquisas, muitas viagens, muita perseverança, muitas descobertas, desmontagem de muitos esquemas insólitos… a esplendorosa amoralidade de uma sociedade apodrecida, parca de valores elementares. 

Sempre a crescer e a aprender. 

A somar aos tantos livros que eu já li...

domingo, 12 de maio de 2019

Derrubar Muralhas & Destruir Mitos


Devo confessar que estou a transbordar de felicidade e de esperança. Não é segredo para ninguém o desprezo que sinto por qualquer forma de julgamentos gratuitos, insensatos, cruéis e movidos pela ignorância aleada a uma estranha e perversa maldade. Já verti muita tinta sobre o flagelo de todo o tipo de descriminação que se exerce sobre os portadores de doença mental, por estas terras a que chamamos país.  

Pouco dada a misticismos, devo reconhecer que já passei por coincidências, no mínimo estranhas. A minha vida anda há mais de um ano a aguentar as consequências de eu ter visto os meus mais elementares direitos de dignidade humana violentados a céu aberto, porque carrego no corpo os genes da doença bipolar. Há um ano atrás, teria pensado que tal facto, no Portugal de 2019, não seria possível. Um ano volvido, porque estamos sempre a aprender, perdi a minha ingenuidade. 

Enquanto tudo isto decorre, leio a famosa obra de Hitler, A Minha Luta, e não deixo de sorrir com a ironia de ter o desprazer de observar belos filantropos, da atualidade, a fazer exatamente a mesma coisa. Com um pouco de sorte, nas aulas de História, comentam a monstruosidade da doutrina nazi, e ensinam Cidadania, aquela acerca da qual não entendem um chavo! 

Estou sempre a ser aconselhada pelo meu amado Marido no sentido de me conter nas palavras. Melhor do que ninguém, ele sabe que sou muito pouco dotada de inteligência emocional. Não tenho queda, nem jeito, nem capacidade, para dizer o que se quer ouvir. Para mim as coisas são o que são, não douro pílulas, não invento histórias e, dentro da legalidade, movo-me pelos meus direitos, pelos direitos da minha família, tendo sempre presente o respeito pela minha integridade e honestidade que sempre me foi incutida. Nesta vida, se há coisa que não trago são pinóquios/as feitos de carne e osso.

Neste país, onde abundam doutores e engenheiros que, desde a psicologia de bolso, à medicina em dez lições, são versados num pouco de tudo. Por todos os lados se ouve toda a sorte de opiniões bizarras que, mais do que parcas de conteúdo, se erguem em pés de barro. Acredito até que, quem as profere não sabe nem sonha que, tudo aquilo que se afirma tem que ter por detrás o conhecimento científico. O meu saudoso Pai, relativamente a isto, tinha uma expressão engraçada, da qual não me irei esquecer. Era engenheiro civil de profissão. Era comum, junto a obras na rua, estar um grupo de senhores reformados, observando as máquinas a trabalhar e tecendo as mais diversas teorias em relação aos trabalhos. A estes senhores, o meu Pai referia-se com ironia, tratarem-se dos engenheiros de obras feitas. Quando a conversa terminava, a obra estava feita!
No fundo, ao nosso redor há um pouco de tudo, médicos, engenheiros, professores, advogados…. São normalmente pessoas desta estirpe, as primeiras a apontar o dedo, a desviar-se das responsabilidades das suas próprias faltas e as mais criminosas no que toca à descriminação do próximo.

Preocupa-me este estado de coisas. Estou de momento a ler um livro que versa sobre o drama da segregação vivida nos EUA, enquanto membros do KKK matavam indiscriminadamente aqueles que, com base nas suas teorias biológicas, não mereciam tratamento humano. Verifico, no entanto, que, não sei por que artes mágicas, os preconceituosos estão infinitamente convictos de o não ser! Não admirando nenhum grupo segregador, confesso que tenho em melhor conta o KKK. A sua postura em relação à teoria das raças, pelo menos era admitida!

A discriminação só é crime se houver uma decisão tomada com base no tratamento diferenciado. Infelizmente, já fui vítima deste crime. Obviamente que será um crime praticado à vista de todos e consentido por todos. Hoje em dia, quando certas pessoas se atrevem a dizer-me que não me estão a discriminar, não tenho pejo em dizer que a conversa é bonita, mas que comigo não pega. Sim, tenho este grande defeito que só me faz arranjar problemas, pois muitas pessoas não gostam de ficar sem a máscara protetora do seu cinismo social. Para dizer que sim, mas que também, prefiro estar calada. 

A triste realidade é que tenho um problema de saúde ao qual não posso fugir. Mas é verdade, também, que tenho de me defender dos bombardeamentos constantes de que sou vítima. E como já fui cravada de tantas balas, nada como uma boa vacina para ganhar imunidade. Confesso que, quando o meu Filho sofreu na pele as consequências da ignorância popular, custou-me horrores ver, impotente, a mágoa a que o expuseram porque a sua mãe, eu, fui socialmente catalogada de criminosa, por crime de doença congénita. Com as balas que me atingem, posso eu bem, mas fazerem o meu Filho pagar por isso é cruel. Vacilei, a minha alma tremeu e o meu coração entristeceu-se, mas cobriu-se de um negro, tão negro, como aquele que só as mães sabem sentir quando querem proteger os filhos. Perante a crueldade alheia, só me restariam duas opções, cair e esmorecer ou erguer a cabeça e lutar contra este crime hediondo, digno de neonazis desinformados. 

Não é meu apanágio, nem fugir dos problemas, nem esconde-los ou, mesmo, aceitar resignada injustiças ou faltas de respeito por mim, e pelos meus. Há alguns anos atrás, para minha surpresa, comecei a perceber que ser bipolar era vergonhoso. Ou melhor, que era algo que se devia esconder muito bem escondidinho. Devo dizer que demorei algum tempo a perceber os motivos desta ideia instalada. Hoje, sei que assim é porque, infelizmente, no Portugal democrático do pós 25 de Abril, está tudo rigorosamente na mesma, quiçá, pior! O populacho é mau e, ao que parece, a parábola bíblica do bode expiatório, é reflexo da natureza dos "vencidos da vida"!

Já conheci pessoas de várias idades, de vários níveis culturais e das mais variadas profissões, que padecem da mesma doença que eu. Na verdade, sou requisitada por muitas amigas da minha Mãe para falar com este ou aquele familiar. O busílis da questão é sempre o mesmo - medo do julgamento social face à doença mental! Isto é uma pouca vergonha! Acho desumano toda e qualquer forma de coação que imprima no doente a impossibilidade deste fugir a uma vida miserável. Quem está errado não é quem carrega a doença, mas quem violenta o doente, fala sem saber e julga sem moralidade!

Há muitos anos que me movo no combate à discriminação. No passado dia 26 de Abril, a convite da Sic, prestei-me a dar uma entrevista acerca da forma como se vive a bipolaridade, quer a nível pessoal, quer a nível social. Desde que me forneçam um microfone, falarei até que voz me doa, e quando já não conseguir falar, continuarei a escrever. Uma coisa é garantida, esta luta contra o estigma e contra o crime abjeto e socialmente consentido, da discriminação face ao portador de doença mental, ainda agora começou.

Com a minha exposição pública, consegui reunir um grande grupo de pessoas que sofrem por ser doentes, que sofrem com a dificuldade em ajudar os seus entes, que sofrem miseravelmente esta dor inexplicável, sentida na costura entre o corpo e a alma, corrosiva, como só uma depressão major pode infligir. Estou satisfeita por ter conseguido encontrar um espaço de encontro entre nós, adaptado à realidade nacional, que diariamente vai tendo novos membros. No entanto, não deixo de estar muito desiludida com o que tenho visto.
Revoltam-me as histórias de sofrimento atroz por que muitas pessoas têm passado. Pessoas excluídas, maltratadas, incompreendidas, ostracizadas, desprezadas e, sinceramente, não encontro mais palavras para descrever isto. No entanto, perdoem-me a petulância, mas, se nós somos desprezíveis, não sei o que serão aqueles que nos atribuem um sem número de designações bizarras. 

Quem está a pensar mal? Hitler ou os judeus? Os negros ou o KKK? Onde fica a empatia, a humanidade, a compreensão pelo outro, a solidariedade? Enquanto não falarmos abertamente sobre a doença mental, sem tabus e sem vergonhas, ela não sairá do baú dos segredos. Certa vez, li um estudo acerca de A Minha Luta em que o historiador defendia a tese de que o livro devia ser legalizado em todos os países, como qualquer outro. Ele argumentava que, enquanto o livro fosse escondido do público, mantém o seu estatuto de "endeusado". E eu, embora também historiadora, atrevo-me a transpor esta teoria para o objeto em análise, considerando que esconder a doença mental contribui para perpetuar o seu estatuto demoníaco.

No fundo, no fundo, porque também tenho uma dose de gozona, quando surge em conversa, eu dizer que sou bipolar, aparece logo a exclamação cliché:

- Ah! Não tem nada aspeto disso!

- Pois, sabe, do aspeto não me queixo!

E por aqui me fico!

sexta-feira, 8 de março de 2019

Tristes almas não dão lugar a Carnavais


Carnaval que é Carnaval, além de música, é alegria e folia genuína. Há corsos, e corsos, desfiles e desfiles, fatos e fatiotas, mas no extravasar da alegria é que está a alma deste negócio que é a vida. É certo que o simbolismo da tradição está muito desvirtuado, mas também é certo que a sociedade, para seu bem, não se pode cristalizar. Aquilo que, desde a Grécia Antiga, tempo a que remonta esta tradição, não se terá alterado é o facto de podermos usufruir de uns dias de uma alegre liberdade.
É Carnaval, ninguém leva a mal, remete-nos para essa alegre liberdade. Sou amante acérrima da liberdade, mas daquilo que chamo de verdadeira liberdade, ou seja, da liberdade responsável. Não é porque me sinto livre que posso prejudicar gratuitamente a vida do próximo, claro está. Ao mesmo tempo, essa liberdade obriga-me a estar mais informada e a ser mais prudente no uso da mesma. 
Imagine-se 365 dias de Carnaval em Portugal (embora não se ande longe). Vou então contar-vos uma história.

Era uma vez, há muitos, muitos anos… bem, não há tantos como isso, na cidade de Lisboa, uma jovem gaiata, começou a achar que brincar ao Carnaval até que era muito divertido. Apanhou-lhe o gosto.
Desde a escola secundária, passando pela faculdade, pela docência e pelo mestrado, sempre fez muita questão de se aprimorar ao máximo nessa festa sagrada, clímax da mascarada. Por voltas que a vida dá, e porque a sua grande companheira de saídas carnavalescas, regressou aos EUA, sua terra natal, não tornou a celebrá-lo da mesma forma.
Viveu muitas experiências. Levava à risca a regra dos três dias. Para três dias, três máscaras. Sendo que na véspera do Entrudo se encarnava a personagem principal.
No seu perfecionismo, nunca deixava a elaboração das máscaras por mãos alheias. Pensava  tudo ao mais ínfimo pormenor. E se era para ser fiel à  ideia, assim seria. A criada fina teve direito a um vestido vermelho de seda natural com uma grande racha, a Marnele Furacão rasgou a bela da meia de rede, tinha as ligas à mostra e exibia um cabelão azul elétrico. A cigana apregoava mercadoria e gritava amargurada à passagem da autoridade policial, nas ruas do Bairro Alto. O inesquecível casalinho de emigrantes, a Celestina aperaltada com os seus vermelhos e dourados, o Onofre tilintando os seus ouros ganhos na árdua labuta da distante França, ambos dizendo vien ici aos amigos que passavam. A clássica Bruxa, uma Eva, num fato feito à medida, da cor da pele, com as parras nos sítis certos, sem peruca, porque o cabelo era muito longo e de um dos braços pendia uma serpente, culminando na maçã do pecado. Vivenciou-se porteira dos bairros de Lisboa e arredores, bata, luvas de borracha, fita e mola na cabeça. Numa noite de pouca imaginação, duas agulhas de tricô e um longo vestido chinês de um exótico cor-de-rosa, trazido de uma viagem a Hong Kong, desenrascaram uma das noites secundárias. Uma morta-viva, cuja maquilhagem ao acentuar a tez de natureza pálida e o olhos verdes, me assemelhavam à pequena Reagan, imortalizada no Exorcista, até uma minhota estridente e exuberante e tantas outras personagens que me diverti a elaborar e encarnar, que seria exaustivo enumera-las a todas.
Carnaval era também amena alegria entre amigos. O grupo, em grande escala reunia-se, por norma semanalmente, no mínimo, mas no Carnaval essa reunião tinha um sabor diferente. Não era a Maria, A Rita, O Manel, mas o Caricas Metal, o Mário Corleoni…
Como a casa de Lisboa é muito grande, durante uns anos algum pessoal reunia-se lá para se mascarar e maquilhar. Como o meu Pai fez algumas incursões por África, na projeção de grandes obras de engenharia, trouxe muitas vestes locais. A minha Mãe retirava essas roupas do baú que ganhavam vida e, por uma noite se transformaram em Cleópatras, Quéfrôs, e tantas outras personagens. Jamais esquecerei um grande amigo, que veio a falecer mais tarde, de origem guineense, filho de embaixador e porte elegante, que no seu corpo escultural, exibiu um antigo vestido de gala da minha Mãe, dos seus tempos de juventude, com uma linda camisa vermelha de seda natural e uma longa peruca loira. 
Foram anos divertidos, hoje já não é assim, apesar de ser divertido de outra forma. Não voltava atrás no tempo, mesmo se pudesse. Mas as memórias destas festas e destas imagens, essas, não me as podem tirar.   

No plano ficaram muitas máscaras por concretizar, pois seriam precisos muitos carnavais para colocar em prática tantas personagens que eu teria gostado de encarnar. A verdade é que a essência desses carnavais residia apenas e tão só na possibilidade das pessoas se poderem divertir sem o olhar acusador de alguém. Porque há sempre um olhar acusador.

Apesar destes momentos divertidos que estas festas me proporcionaram, houve sempre um denominador comum nelas todas - os parvalhões do costume. Nesta altura do ano há quem troque a diversão e felicidade genuína pela água, pela farinha, pelos ovos, pela lama, etc.. Depois de atirarem estas coisas às pessoas, í sim, ficam muito contentes e isso faz com que ganhem o Carnaval. Eu nunca tive o azar de ser atingida por estes imbecis com cérebro de ervilha. Os infelizes não gostam de ver pessoas felizes, é o costume. Já vi este filme vezes demais...

Hoje, por cá, o Carnaval já não é celebrado como era. Tanto que vivo numa zona do País que não parece ter grande euforia carnavalesca. Os meus disfarces não têm passado de pequenos apontamentos. Logo no primeiro ano em que me mudei para cá, acompanhei o desfile dos meninos da escola, onde o meu Filho também ia, eu levava uma bandelete em forma de orelhas de ovelha. Não tardou a ouvir que estava a fazer uma figura triste. 

Almas tristes em belas, mas tristes terras, só dão lugar a Carnavais tristes. Foi isso que aqui me trouxe, hoje. Este ano, decidimos ir a um Concelho próximo, pois publicitava-se uma grande festa de Carnaval. Um enorme desfile. Muita música, barraquinhas e animação para as crianças. Chegámos, abeirámos-nos à estrada a ver o desfile a passar. Nas mãos, tínhamos confetis e serpentinas. Os carros alegóricos sussurravam músicas, as pessoas que desfilavam pareciam enfadadas, rapazes e raparigas dos bombos tocavam com uma mão e com a outra, controlavam os smart-phones. Atirámos serpentinas e confetis a medo, muito a medo… acabámos por tornar a guardar o "material" no saco. Apesar dos apesares, e como não podia dar a viagem por perdida, e como não resisto aos ritmos, ainda me abanei um bocadinho.
A meio do desfile o miúdo disse: Isto não tem nada de divertido!
Não me admira nada, um dia normal em minha casa consegue ser mais divertido do que aquele desfile de carnaval.

Que gente estranha esta que nem no Carnaval tem alegria na alma. Este último ano ensinou-me muito acerca destas gentes de um território há muito votado ao abandono, tanto pelos filhos da terra, como pelos responsáveis pelo País. Parecem cultivar um hermetismo, em que nem sequer o Fado de Lisboa, da Saudade e da Tristeza, parece conseguir entrar. Nada se pode oferecer para além do turismo, que não é fruto da construção, nem do trabalho, mas do que simplesmente já cá está. A hospitalidade é como o queijo e as batatas, vende-se. A alegria, bondade e gentileza não são genuínas.

Não vislumbro nestes carnavais nada para além de anúncios na rádio e ocupação de tempos livres. Como pode haver alegria em terras onde as pessoas correm atrás do cheiro dos euros, para a Capital ou para a França, mas correm à pedrada potenciais "ladrões" de euros? Onde pode haver alegria em terras que vão cada vez mais perdendo a sua identidade, não porque ela não exista, mas porque há cada vez menos pessoas capazes de a recuperar.

O Carnaval, aqui, resume-se, à máscara, Carnaval! Pois que, aqui, Carnaval que é Carnaval não entra!




sábado, 5 de janeiro de 2019

Os meus doces recomeços


Um pouco pela vida fora, fui tropeçando, caindo e reerguendo-me. Tudo o que, para mim, possa simbolizar virar de página ou ter sabor a recomeço, agarro com garra, impulsiono o passo e atiro-me de cabeça. A vida é polvilhada de muito boas alturas para equacionar e repensar as coisas. Em termos puramente temporais, faço, muitas vezes, uso das segundas-feiras como pretexto para redefinir certas metas ou introduzir algumas mudanças. 
O meu ano de 2018 trouxe-me muitas surpresas desagradáveis, mas muitas experiências fantásticas. Por vezes são precisas más experiências para tornar outras muitíssimo belas. Sendo que a minha Família foi posta à prova de tal maneira que se revestiu de uma coesão inimaginável. Estranhos caminhos estes os dos detritos humanos que, na ânsia de fazer o mal, nem podem imaginar todo o reverso dessa malvadez. Pelo caminho houve lamentáveis destroços, mas como diria uma amiga, a Terra é redonda
O ano, em termos de saúde, ficou marcado por uma delicada cirurgia, cujos resultados ainda me escapam. Por outro lado, fui brindada com a maior alegria de todas - tratamento farmacológico para a perturbação afetiva bipolar, que iniciei em Julho de 2017, fruto de recentes investigações, trouxe-me o ano mais saudável da minha vida. Acho que nunca tinha visto antes, na vida, o sol a nascer 365 dias no ano. 
Não posso negar que, em termos vivenciais foram meses desgastantes e stressantes e, mesmo, de extrema preocupação. Sei que na hora H, nem sempre percebemos a verdadeira dimensão daquilo que acontece. Penso que este terá sido o ano em que mais pus à prova a minha capacidade de resistência perante a adversidade. Acho que por esse prisma foi importante perceber a verdadeira mãe que reside em mim. Sempre fui muito ciosa da minha função cuidadora no seio da família. Estes últimos meses, dada, muitas vezes, a impossibilidade física de estar à altura desse papel de forma briosa, desenvolvi uma presença familiar mais afetiva do que antes. No verão, por exemplo, graças a esta postura, passei as melhores férias em família, da minha vida.
Este desgaste vivido ao longo de tantos meses, tendo-se devido essencialmente ao facto do populacho cá do sítio estar infeliz com a vidinha reles que leva e tendo, por isso, necessidade de descarregar as suas frustrações em pessoas felizes, aleado ao desmazelo e bandalhice profissional de outros tantos, provocou-me muitos momentos de cansaço, agravados pelo sofrimento infligido ao meu Filho, no entanto, veio provar-me que, afinal, sou mais robusta do que pensava. 
Porque atrás de uma tempestade vem uma grande bonança, resolvi implementar com o M. aquilo que denominei de Dia da Diversão. Para relaxar a cabeça, às sextas-feiras, após as aulas, ia com o M. fazer um programa qualquer. Um museu, uma ida à biblioteca, ou mesmo uma simples ida ao parque dos baloiços. Na altura, fi-lo essencialmente para dar um pouco de paz e segurança ao meu Filho. Sentia que os dias passados na escola aguardavam, com ânsia, a chegada do último dia da semana, para, em tom de recompensa, o brindar com a descompressão de que a vida não são apenas maus-tratos na escola e cuspidelas de ódio por parte de adultos irresponsáveis. A verdade é que os nosso Dias da Diversão se tornaram mais do que meros momentos de descontração. Como a mãe que há em mim vem crescendo à medida que o miúdo cresce, não deixa de me surpreender a forma como amadureço a forma como vivo a maternidade.
Eu sei, de fonte segura, porque tenho muitos contactos e conhecimentos, que, nas terras pequenas, quem protege os filhos não tem bom destino, principalmente se implica com as "máfias" locais, mas isso nunca irá demover-me de o fazer. Porque estou a refletir sobre os acontecimentos de 2018, não posso esconder que tenho uma muito forte sensação de que o que nos aconteceu, principalmente à vítima principal, o Martim, não foi em vão, não pode ter sido em vão. Perspetivando as coisas, olhando do passado para o presente, se tivesse de fazer um gráfico, a linha do amor, da união, da coesão e da cumplicidade entre mim, o meu Marido e o meu Filho, registariam uma curva ascendente surpreendente. 
Aqui, por terras do interior, sempre nos mantivemos à margem da vida social. Nenhum de nós nunca se interessou em relações de convivência com estas pessoas (à exceção das poucas vizinhas do lugar). Não foi por nenhum motivo em particular. Calhou ser assim, pois sempre afirmei que não vim para aqui para fazer amizades. Tenho muito bons amigos, com quem mantenho um contacto regular. Por outro lado, vou frequentemente a Lisboa, o que me permite bons momentos de convívio com quem realmente importa. A verdade é que a vida veio a dar-me razão, ter privado com alguns destes espécimes teria sido uma péssima perda de tempo. Como se diz na minha terra - isto foi um aviso à navegação! Continuarei Orgulhosamente Só com a certeza de que não estou a perder nada de interessante.
Foucault ensinou-nos que o presente é uma "projeção" do passado. Apesar de reconhecer na filosofia foucauniana uma infinda panóplia de conceitos ideológicos, não posso deixar de reconhecer nesta, a mais bela praxis quotidiana. O mesmo é dizer que, no mais pequeno gesto empreendido, mais ou menos rotineiro, consigo ter uma perfeita perceção da importância de transportar para a vida aquilo que ela realmente comporta. Viver não é o mesmo que sobreviver. A experimentação não conduzirá, por certo, à perfeição, mas conduzirá, a cada pedacinho, a ser mais e cada vez melhor. 
Tal como percebi que há problemas que não são assim tão dramáticos, quando o meu Irmão morreu, também percebi, se dúvidas houvesse, que ter-me mudado para uma quinta isolada na serra foi a melhor decisão que nós tomámos. Eu sei que os portugueses, em geral, são um povo atrasado e corrupto. Sendo que a escolha da localidade, dentro da região, foi completamente aleatória, estou certa de que o cenário não muda muito de aldeola para aldeola. Embora, em 2018, tenha vindo à luz um estudo que indicou este concelho como tendo índices duvidosos de seriedade (ou falta dela). Nada que eu não tivesse já constatado. Pior do que a corrupção corriqueira, para mim, continua a ser a moral.
2018 foi também um ano em que fui ameaçada vezes sem conta. Confesso que, como investigadora do Estado Novo, vivia na visão ignorante de que já não se governava pelo medo, desde 1974. Como estava enganada! Certamente que nunca temi ameaças, não fosse eu filha de um Oficial do Exército de alta patente. O que eu estranho, de fato, é que existam pessoas que temem as ameaças. Ora vejamos, li cartas anónimas que invocavam o anonimato pelo temor das represálias. Ora, fazendo um exercício de lógica e sem precisar de grandes capacidades cognitivas, depreende-se que - quem teme represálias, exerce represálias. De outra maneira, como lhes ocorre temer represálias, quase no final do primeiro quartel do século XXI? Num país da UE, ainda por cima??!! Lá está, um erro muito nacional - avaliar os outros pela sua bitola! À laia de conclusões, e como nunca fui cobardolas em momento algum da vida, não foram as ameaças em si, mas a estranheza na manutenção da sua existência com prática quotidiana. Mas isto é assunto para outro projeto em maturação…
Não foi o bullyng, não foi o preconceito, nem o assédio popular à minha Família que saldou o ano. Foi a força com que, juntos suportámos tudo. Foi a satisfação de ouvir um grande amiga dizer - O teu casamento é para a vida! Não sei o dia de amanhã, as estruturas familiares não são um dado adquirido, mas quem conhece esta família sabe bem que este nosso trio é um clã muito coeso. Cada vez mais coeso. Eu e o R. somos um casal muito feliz, apaixonado, cúmplice e amigo. Sei que seria possível, mas a verdade é que não consigo imaginar a minha vida sem ele. Se a este amor tão grande adicionarmos o nosso menino, a felicidade é suprema. Por vezes é cansativo, bem sei. Sou humana e sofro muito com dores dilacerantes a qualquer hora do dia ou da noite, por isso, nem sempre a canseira das tarefas quotidianas me dá a melhor das disposições. Mas isso não faz de mim infeliz, mas simplesmente cansada. Ter dois putos em casa aos saltos, na risota e na palhaçada de volta de mim, enquanto trato do jantar, parece divertido, mas sistematicamente, consegue dar-me cabo da cabeça (embora me enterneça por dentro). Já para não falar daquelas alturas em que o Pai, depois de lhe dar banho, põe o secador dentro das calças do pijama para as ver fazer uma espécie de balão, para o miúdo se rir, enquanto eu chamo desesperada para o jantar, que está na mesa a arrefecer. Mas quando aterro na cama, enroscada numa botija de água quente, enquanto leio um livro, sinto aquela leveza de quem ama e é amada. De quem vive uma vida simples e sincera. De quem não se quer ligar a nada nem ninguém, para além de quem e do que realmente importa.
Para rematar 2018, vivi experiências improváveis, fruto de uma série de coincidências aleadas a timings certos. Decidi que iria com o meu Filho a Lisboa, durante a primeira semana de férias do Natal. Como a excitação da viagem era mais que muita, não perdemos tempo, duas horas após o fim das aulas, lá estávamos nós no comboio, rumo à minha terra natal. Planeei muito bem cada dia, para que pudéssemos rentabilizar o tempo. Fiz, previamente, um levantamento daquilo que ele desejava ver e fazer. A altura foi boa, no Natal Lisboa enche-se de luz e de cor. Viajámos aos buracos negros no Planetário, espreitámos as múmias no Museu de Arqueologia, percorremos a génese da evolução humana e observámos a imponência dos mamutes e dos tigres dentes-de-sabre. Fomos ao Museu dos Coches e eu constatei, com orgulho, que o meu Filho soube estar à altura de uma visita desta natureza. Revi o meu Padrinho de casamento e respetiva família, com quem não estava há algum tempo, que nos ofereceu convites para o Circo Cardinalli. Fomos ver o Homem-Aranha ao Centro Comercial Colombo com um grande balde de pipocas. Passámos pelo Pavilhão de Portugal, onde nos deslumbrámos com um esqueleto de um t-rex fêmea, verdadeiro, de enormes proporções. E como esta exposição era interativa, fugimos de dinossauros, procurámos fósseis, grafitámos um t-rex, impressionámos uma fêmea, participámos num quiz, não sem muita risota pelo meio. A melhor parte desta exposição foi o facto de termos o espaço todo só para nós. Andámos no teleférico e fechámos com chave de ouro - Wonderland no Parque Eduardo VII, onde andámos na roda gigante e vimos a Avenida toda iluminada, com lindas luzes natalícias. Optei por fazer deslocações em transportes públicos, dado que a minha casa fica junto a uma estação de Metro. Desta forma era muito simples e rápido ir de um lado ao outro da cidade. Numa ocasião embarcámos num autocarro da Carris, experiência inédita para o Martim, e quanto a mim, estava nos confins da memória. Longe vão os tempo em que, com ou sem bandelete, eu apanhava o 7, mas pela viagem até à Faculdade!

Após um Natal passado na serra, com os respetivos avós reunidos, tornei a rumar a Lisboa, desta vez para assistir ao Lago dos Cisnes, no Coliseu dos Recreios, representado por uma companhia russa de bailado. O primeiro de muitos, espero!

Agora, que começou 2019, está na hora de virar a página. Tropecei muitas vezes, mas as pessoas como eu prezam-se de ter mãos amigas estendidas para as ajudar a levantar. É este não estar só que me prende e fortalece. Desde o amor da cara-metade, do Filho, da Mãe, dos amigos e familiares, tudo em mim é vida e alimento. Sem a força deste amor por mim, pelos outros e pelo que deposito em tudo aquilo que faço, dificilmente chamaria de meus estes doces dias. E porque nunca é demais recomeçar, reformulando, venham eles…. os meus doces recomeços!