sábado, 21 de julho de 2018

Tudo isto é Triste, mas não é Fado

Imagem retirada da internet

Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho a certeza absoluta

Albert Einstein

Estou, finalmente, em vésperas de umas férias bem merecidas, em Família. Este verão vai ser diferente, mais entusiasmante, mais comprido e mais divertido. Será altura de recuperar o tempo perdido por via da neurocirurgia. Haverá divertimento a três, com passeatas, dinossauros, museus, feiras. Sardinha assada, do mar para o fogareiro que está no terraço, com direito a jantar na varanda alta, tendo por panorama o sol a perder-se no azul do mar. Churrasco no quintal, na companhia dos avós todos. Como a estadia vai durar, tenho mais planos na manga. Juntar amigos, visitar família alargada e proporcionar aos priminhos momentos de brincadeira.

Apesar das limitações físicas que ainda enfrento, tenciono "ir a banhos" à moda antiga. Feita matrona, refastelar-me-ei numa confortável cadeira, à sombra de um chapéu de sol porque detesto bronzes e de livro na mão!

Na maioria das vezes que me desloco à minha terra, faço-o de relance ou com férias cheias de dias preenchidos e uma correria de afazeres. Parece-me que, pela primeira vez, vou mais descontraída. Não poderão faltar as rotineiras prospeções no Martim Moniz, em busca de cheiros e sabores do mundo. E por falar nisto, eu e o R. aproveitaremos para fazer, pelo menos, um almoço a dois. Por norma, como por cá, contamos essencialmente um com o outro, nunca podemos dar-nos ao luxo destas coisas. Sabe-nos bem estar assim, mas a verdade é que quando damos por nós, achamos que devíamos estar os três a partilhar iguarias japonesas.

À medida que vou amadurecendo, que o meu casamento se consolida com o passar dos anos infindos, que vejo o meu Filho crescer, interagindo nas conversas cada vez com mais fluência, tenho o fortúnio de me sentir mais feliz e realizada a cada dia que passa. Tive perdas cruéis ao longo da vida. Estas fizeram-me sofrer muito. Passei por situações que não desejo a ninguém. Mas felizmente ultrapassei-as e sobraram as aprendizagens que ficaram cravadas em mim.

A saída, por uns tempos, terá um sabor diferente por via dos acontecimentos mais recentes da novela de cordel. A verdade é que tenho certos e determinados valores por fundamentais e, quando verifico que o vulgo os desconhece por completo, fico com náuseas. Sou filha e neta de pessoas muito íntegras, honestas e instruídas. O meu Pai foi, sem dúvida, um grande agente da minha educação. Nele, mais do que as suas palavras, foram os seus exemplos de vida que, ao longo dos 27 anos que tive o privilégio da sua companhia, que sempre pude observar. Era um homem inteligentíssimo, Engenheiro  Militar, Oficial de alta patente do Exército português que, acima de tudo, me formatou na importância da integridade humana, na honestidade, na coerência naquilo que dizemos e na defesa da verdade. É humano errar, mas podemos sempre assumir o erro e desfazê-lo. Não custa nada, não envergonha ninguém e só prova o nível da pessoa. Quanto a esta questão de assumir posições, independentemente de estarmos a fazer o mais acertado embora tenhamos a convicção de que sim, e corrigi-las quando é necessário, digamos, tratar-se de um fenómeno finito.

Recordo-me de estar a aprender o infinito em Matemática, nos bancos da escola, e ter alguma dificuldade na apreensão do conceito. Este pensamento terá caído no esquecimentos até me cruzar com situações e vivências tão esclarecedoras acerca do assunto. Nunca pensei deparar-me com uma verificação, tão óbvia, que me tem passado despercebida. A estupidez humana é infinita! Não há exemplo mais concreto.

Versar sobre estupidez seria vasto. Na verdade, tenho a cabeça polvilhada de tantas ocorrências que seria complicado referi-las. No entanto, não é esse o meu intuito. Gosto pouco de diálogos unilaterais, pouco democráticos e parcos em respeito pelo próximo.

Em termos mais gerais, impressiona-me bastante a facilidade com que as pessoas fantasiam situações em proveito próprio. O reino da fantasia não é ilícito, por isso as pessoas escrevem romances. Quem gosta de inventar devia ponderar seriamente em dedicar-se à literatura de ficção, pois pode estar-se a desperdiçar-se um verdadeiro talento. Sei que há muitos leitores, por esse mundo fora, sequiosos de novas intrigas comezinhas. Mas atenção, primeiro é preciso dominar muito bem a Língua Portuguesa.

Não me quero perder na infinitude da estupidez humana, mas importa dizer que é uma característica muito popular fazer uso de cargos e, auto proclamados poderes, para exercer vinganças pessoais por intermédio de assuntos oficiais. Penso que, em terras lusas e corruptas, em geral se trata de um modus vivendi. Pessoalmente, considero este nível de estupidez humana completamente inqualificável. É como tudo, uns só sabem ser assim, outros não sabem ser assim. Gente pequenina, como diz a minha Mãe.

Adoro os especialistas de bolso que "rapam" dos compêndios de Medicina em 10 Lições ou outros que tais, e tecem grandes teorias acerca do que não sabem do que estão a falar, julgando-se passar por grandes teóricos da coisa. Confesso que ao longo da vida, pude assistir a querelas destas, acerca das quais termino sempre com o mesmo sentimento - pena do orador. Não se julgue que o desconhecimento dos temas constitui, em si, uma falha. Cada um sabe o que sabe, estudou o que estudou e leu o que leu. Não tenho pena da ignorância em si, mas principalmente da atitude leviana de versar convictamente sobre o que não se sabe. Há muitos e longos anos aprendi uma máxima: só estou apta a aprender se me capacitar que sei muito pouco. Há cerca de uma década que enceto investigações acerca de um tema muito restrito, e às vezes dou por mim perante a pequenez do meu conhecimento. Trata-se de um sentimento inquietante. Recorrer a este esquema por rotina faz o orador tropeçar na sua própria armadilha. A título de exemplo denotam-se contradições, incoerências, discursos envoltos em nevoeiro dignos de As Brumas de Avalon. O meu Pai, pessoa dotada de grande sentido de humos, quando via um grupo de gente, normalmente homens, em redor de uma obra a decorrer, tecendo as mais variadas teorias, chamava-lhes os engenheiros de obras feitas.

Hermenêutica, ora aí está uma tão peculiar ciência e também tão utilitária e tão ignorada. Se pegarmos num texto de quatro páginas, selecionarmos oito palavras ao longo do texto e se fizermos uma citação que resultem numa frase com (...) pelo meio, temos... tcham! tcham! - a frase que quisermos!! Meus caros, isto não é NADA! Claro que, uma obra de referência de semântica ou mesmo um dicionário temático, protegeriam o autor de pertencer ao grupo da infinitude da estupidez humana. 

Quase diariamente se ouvem notícias de missivas com o espaço da assinatura em branco - cartas anónimas, portanto. Eu tinha ideia de que a Revolução dos Cravos, após tantas décadas de implementação, já tinha sortido os seus efeitos. A PIDE desapareceu há muito tempo e os seus elementos já não gozam de poderes, além de que muitos já são muito velhinhos. Mas, pelos vistos, frequentar as festas comemorativas do 25 de Abril, é como ir à missa ao domingo.

É claro que um gesto de tão infinita estupidez, apesar de não revelar o autor, revela mais do que isso, a natureza do autor! Daqui depreenda-se o que se entender. Acho até um tanto engraçado o argumento das represálias. Como gosto de refletir sobre as coisas, um pretexto destes pode querer dizer inúmeras coisas. Assumir o que se diz e faz, não é para todos. Só os fortes e corajosos o fazem. Os chamados cagadinhos, não! Mas continuo na minha, a coragem não é para quem quer, é para quem pode. Há, claro está, as represálias dos professores de Português. Consta-me, no entanto, que alguns dão muitos erros.


Se, por ventura, um espécime desta estirpe infinita se cruzou por aqui, importa tornar a referir que, quanto a mim, se está sempre a tempo da "redenção". Até a considero bastante valorosa e um profundo gesto de auto honestidade.

A grande vantagem da infinitude da estupidez humana é que nos põe a nós, pessoas íntegras, instruídas, educadas e honestas, sempre em constante exercício mental. É que a infinita estupfação humana é, em si, um grande desafio! Esboço agora um breve sorriso, à laia de recordação de uma cena que presenciei no outro dia: estava uma senhora no meio da rua, aos gritos para alguém imaginário, e, descontroladamente, mandava esse vulto imaginário para o manicómio, chamando-o de louco. Muito lamentavelmente, deve ser mais uma daquelas pessoas que, por medo ou vergonha, não se quer tratar. Hesitei se lhe perguntaria ou não, se se sentia bem ou se precisava de ajuda. Devia ter ajudado, mas estava atrasada para a fisioterapia...


Tudo para concluir que, dentro em breve, levarei na mala para as férias, muita alegria, amor, cumplicidade, planos de diversão e, preferencialmente, um pequeno SPA. Por cá ficam os assuntos menos agradáveis porque não fazem falta no destino.

Como ainda tenho um tempinho e, para não desvirtuar o conteúdo essencial do blog, tenciono regressar, em breve, para versar acerca da bagagem da família e toda a logística inerente a uma estadia que, desta feita, será mais relaxada. Está em construção.

Até lá, há sempre a hipótese de ir subtraindo valores ao infinito...


quarta-feira, 11 de julho de 2018

A minha Natureza e a Natureza do meu Coração


Não restam dúvidas, sou da urbe. Foi lá que nasci, cresci, fiz amizades duradouras, estudei, trabalhei, casei e me tornei mãe. Foi também de lá que embarquei para correr mundo, por vezes mundos tão distantes, que nem me davam a certeza de voltar. Foi também lá, que disse um adeus forçado e derradeiro a pessoas que amei com todas as minhas forças. Mas abandonei a urbe por escolha e vontade. Troquei os prédios, as bibliotecas, os museus, os arquivos, a folia das festas de Lisboa e o burburinho constante, por uma vida no campo.

Por ocasião das férias do mais-que-tudo, fomos a banhos à Caparica, como é habitual. À parte estas férias em Família, é relativamente frequente ir à Capital. Tenho sempre coisas para tratar, nem que não seja ver a Mãe ou até uma amiga que viva no estrangeiro, e calhe passar por lá. Gosto também de me abastecer de ingredientes asiáticos e comidas exóticas no Martim Moniz, ver as tendências da moda, passear na Baixa ou vir com o gaiato a um qualquer espetáculo infantil. Enfim, há um sem-número de afazeres que arranjo para dar lá um pulinho.

Desde há um ano a esta parte, nada tem sido fácil na minha vida. Destaco o bullyng sofrido pelo meu Filho e o sofrimento que isso lhe causou e a minha neurocirurgia à coluna. Tenho sofrido de dores excruciantes que tento combater com analgesia prescrita, embora com pouco resultado. À parte todas estas circunstâncias muito pouco simpáticas, nada é comparável à felicidade que atualmente se estampa no rosto do meu Filho. O nosso duro combate contra quem teimosamente fechou os olhos à violência infantil que o M. sofreu pode, finalmente, colher os seus frutos. Ver o M. feliz a brincar na quintinha não tem preço. Este, será um tema para outra missiva que, de momento, não reúno condições para escrever. Estou ainda a digerir.

Mas voltando ao que aqui me trouxe, importa dizer que de cada vez que abandono temporariamente a minha acalmia campesina, ninguém diz que fui nada e criada na urbe. A maioria das gentes das minhas relações partilhou comigo as origens sociais, são pessoas pouco acostumadas a deslocar-se aos ambientes rurais sem ser em viagens pontuais. Nasceram ou estabeleceram-se em Lisboa ou nas áreas adjacentes, por lá têm as suas vidas e criam os seus filhos. Conheço, inclusivamente, pessoas que até são aparentadas com gentes rurais, mas que não nutrem grande apreço por se deslocarem até lá, ainda que por pouquíssimo tempo.

A minha Mãe, nascida na freguesia da Lapa, bem no centro de Lisboa, cresceu entre a sua casa e a casa das avós, também por ali. Na juventude, calcorreou as ruas da Baixa, onde frequentou as Belas-Artes. Ainda hoje, acomodada ao seu carro, percorre os shoppings, as ruas da Baixa em busca de lojas antigas, que vão resistindo, que vendem produtos específicos, ou até mesmo umas quantas que ainda vão sobrevivendo nas Avenidas Novas.

Eu própria, até ser já bem crescida, ainda sou daquele tempo, saudosismos à parte, em que comprava a roupa mais fashion nos Por-fí-rios ou na Casa Africana. Mas havia muitas mais. Quando fiz 18 anos, o meu Pai ofereceu-me uma ida à Baixa no próprio dia 17, um Sábado, se bem me recordo, para um grande passeio a mirar lojas e comprar roupa ao meu contento. Como esquecer esse dia...

Ainda bem miúdos, eu e o meu Irmão, no início de cada estação, lá rumávamos a uma sapataria na Baixa (cujo nome não me recordo) para comprar as sandálias ou os sapatos. Havia também grandes armazéns de roupa, onde desfilávamos contentes com as potenciais peças novas. Era um tempo diferente do atual. Hoje, já não estou a crescer, nem preciso de comprar roupa a cada estação, ainda assim não consigo resistir à "loucura dos trapos".

Era frequente percorrer com o meu pai as marisqueiras da Cidade. A loucura do lugar para o carro, o barulho e  o cheiro a marisco que se sentia por entre as tascas de Alcântara serão, sem dúvida, memórias cravadas no universo da minha história.

Por Fortúnio e "boa média" formei-me na Universidade de Lisboa, a 20 minutos de casa, de Metro. Passei noites em claro, com os olhos enterrados nos livros e nos apontamentos, em Santos no Ágora, um espaço de estudo para universitários, aberto 24 horas por dia. Após terminar a licenciatura, enveredei pelo Ramo Educacional, findo o qual me esperava um estágio, a lecionar a tempo inteiro com Seminários académicos. No estágio, calhou-me uma escola em Alcochete, na altura não passava de uma pequena vila. Não terá sido com muito agrado que me via desterrada para um local que nada me dizia. Não tanto pelo local em si, mas mais pela distância a que ficava do meu "mundo". Revelou-se, afinal, um ano muito alegre e diferente. Tive oportunidade de ter a meu cargo uma turma de alunos da Academia do Sporting, no seio da qual se encontrava o atual Guarda-Redes da Seleção. Do ponto de vista das relações humanas, foi uma época enriquecedora. Toda a bagagem teórica relativa à psicologia do adolescente, de que era detentora, espraiou-se naturalmente no exercício das minhas funções. Encontrei-me profissionalmente, consegui certificar-me de que todos os meus esforços e empenho na aprendizagem de um míster não caíram no vazio. Em cada aula que preparava e dava sentia-me uma estrela cintilante, certa de guiar os meus alunos ao encontro do Conhecimento. 

Nessa época da vida, havia já passado por muito. Tinha, no entanto, a frescura e a leveza da vintena sobre o corpo. Sentia-me livre e despreocupada, um tanto selvagem, até. A vida pertencia-me por inteiro, tinha nas mãos o destino. Era de natureza jovial, divertida, de sorriso fácil, carregava angústias e já se vislumbravam algumas garras afiadas. Então, como hoje, os gatos transmitiam-me calma, aquela calma que a minha alma tormentosa nem sempre encontrava. Entregava-me horas infindas a tratar de gatos sofridos e traumatizados na União Zoófila de Lisboa, ou acorria a pedidos para acolher temporariamente gatos ou ninhadas em cuidados.

No entremeio, dediquei-me à Arqueologia. O mundo do Passado não era desconhecido para mim, abriu-se no entanto um novo universo perante os meus olhos. As plantas, as montanhas, a terra, os insetos, os cheiros por detrás dos prédios, das estradas, das luzes... Na casa dos vinte, vi-me deslumbrada e hipnotizada pela beleza e força inspiradora da natureza, à qual eu sempre pertenci, sem nunca ter sabido disso.

Os últimos anos passados na urbe, preenchidos com muito trabalho, em que a primeira aula se dava às 8.00 h na Escola e a última às 22.00 h na Universidade, enriqueceram-me profissionalmente. Do ponto de vista académico a bagagem que trouxe foi, sem dúvida, monumental, ainda assim, sempre senti um espaço vazio nas profundezas da minha alma.

Comprei uma segunda habitação no campo, onde descansava, qual guerreiro derreado do combate semanal. Aí, a alvorada era espontânea, sem a obrigatoriedade de uma ansiedade antecipada por que tem que ser, porque é preciso ser-se agressivo na cidade. Lentamente fui consciencializando que, quando a estrada se aproximava destas terras, se podia sentir o cheiro relaxante a feno. Podia finalmente sentir-me o animal que sou e sempre fui.

Hoje tenho a minha própria Família, que amo com toda a força das minhas entranhas. Morar aqui, neste sítio que é nosso, onde à nossa volta crescem árvores, flores e até ervas daninhas, onde se pode sentir no corpo as águas frias do rio em dias tórridos, é profundamente encantador. Nesta quinta, onde se planta a minha casinha de pedra, onde me sinto matrona deste lar tranquilo, feliz e afetuoso, tenho uma sensação de pertença nunca antes sentido. É aqui que sou feliz, é aqui que eu pertenço.

Para onde quer que eu vá, onde quer que eu acabe os meus dias, a minha natureza pode até oscilar, mas todo este verde que me envolve é, sem dúvida, a Natureza do meu coração...