domingo, 25 de abril de 2021

 25 do 4

Explica-me o que é, que eu não entendo!

É aquela luz para lá das trevas? Ou não passa de um cravo na lapela?



    Neste dia, as ruas enchem-se de paradas. Vilas e cidades, por este País a fora vestem-se a rigor e observam com ar solene os seus representantes locais a hastear bandeiras, ao som de bandas filarmónicas, nos seus melhores trajes. 
    Na Capital, as ruas enchem-se de cravos nas lapelas, e ouvem-se os costumeiros chavões o povo unido jamais será vencido.... Festeja-se a liberdade, vive-se a alegria da rutura com um passado sombrio e obscuro. Apregoam-se vitórias populares e diviniza-se o povo, o grande motor do sucesso da queda do fascismo em Portugal. Sabem o que é fascismo? Sabem que nunca houve fascismo em Portugal????
    Não tenho bem a certeza, mas sou capaz de apostar que este povo aguerrido, ao chegar a casa, no conforto do sofá, ouve e vê as notícias do País. E agora pode ver tudo com muita clareza e transparência, pois homem sisudo do lápis azul já foi banido do sistema. E viva a liberdade de expressão! 
    Adiante, o povo unido revolta-se com as notícias, a corrupção, os tachos, a falta de honestidade, de rigor... Então, o povo une-se, cada um no seu sofá, cada um na sua casa tece soluções, reclamações, eu fazia isto, eu abolia aquilo, onde já se viu... Tudo sem sair do sofá, mas ainda assim continua sendo useiro e vezeiro do maldito chavão que não deixa o País andar para a frente - Ninguém faz nada!!!
    Pois, sem sair do sofá é difícil. Aqui só entre nós, vou dizer uma coisita. Quando em nasci, em 1977, o meu Pai estava na cidade do Porto. Na altura, pertencia ao Regimento de Engenharia n.º1 como Oficial de Engenharia Militar, Capitão Máximo. 
    Para quem não sabe, e porque há milhares de pessoas que não sabem muito bem as razões das paradas a que assistem com furor, no 25 do 4, o golpe de Estado rebentou, de madrugada, ao som da Grândola Vila Morena, situando-se o Centro de operações no Quartel da Pontinha, sede do Regimento de Engenharia 1.
    Ou seja, tudo isto para dizer que sou filha de um Capitão de abril. 
    Por graça apetece-me contar que uma jovem estudante de Belas Artes, um Engenheiro Militar e uma cadela Cocker preta, por magia do amor transformaram-se num belo casal com dois filhos e sucessivos amigos de quatro patas. Se se lamenta que ao atropelar a cadela Iara, que se lançou à estrada, ela se tenha magoado, menina de orelhas pretas compridas, que eu tanto puxei, só posso estar eternamente agradecida.
    E foi precisamente no 25 do 4 que a minha Mãe (que na altura ainda não o era) se arranjou a rigor, como sempre, para enfrentar mais um dia de aulas. Eis senão quando... trimmm trimmm Oh Elsa, não sais de casa, não perguntes nada e fica em casa!!!
    Ao som da música do Zeca Afonso, aos poucos a cidade e um pouco por todo o País ouviam-se gritos de revolta, os megafones divulgavam a mudança, apelavam à revolta. Militares armados, tanques de guerra, carrinhas do Exército. 
    Na António Maria Cardoso fazia-se um cerco aos carrascos, esses demónios pidescos que arrancavam unhas, privavam os prisioneiros do sono e outras tantas maldades inspiradas nos Tribunais da Inquisição.
    Marcelo Caetano foi levado para O Quartel da Pontinha, para o dispensar de um linchamento anunciado. Julgando ser arrastado por um carrasco da revolução, foi um sortudo, calhou-lhe um Oficial de abril amável, humano, sensato e inteligente. Foi então o tal do Capitão Máximo que teve a incumbência de dar o corpinho para fazer de escolta perante o populacho descontrolado. Ainda conservo o bilhete de agradecimento que entregou ao meu Pai, ao partir para o exílio.
    Revolução, mudanças, conquistas e liberdade não me dizem nada. Não passam de chavões. Na minha modestíssima opinião, a liberdade de expressão tida, como a maior das conquistas, é a maior conquista do 25 do 4.
    Finalmente somos livres de dizer as baboseiras que quisermos, falar do que não sabemos, criticar no vazio da nossa ignorância e, finalmente, sermos historiadores da Revolução de abril.
    O que sabemos dela afinal? Sou historiadora da contemporaneidade, investigo há muitos anos certas áreas do Estado Novo, com a partida do meu saudoso Pai, consegui aceder a alguns documentos do Exército que me abriram nos dados e conhecimentos. E ouvi muitas histórias de tentativas de ocupações, de arrastar pessoas pelos cabelos injustamente e por diz-se que diz-se.... 
    Mas o melhor de tudo foi o facto de o meu Pai ter tido muita sorte ao não ter morrido quando lhe puseram uma bomba no carro na cidade de Pinhel. Pois, quem goza com quem trabalha, em tempos de povo unido, pode não durar muito tempo. 
    Quando o agora Major X, de Lisboa, pediu ao meu Pai que organizasse uma campanha cultural para o povo, estando em Pinhel a trabalhar para a reconstrução nacional no MFA como Engenheiro Militar, não priorizou a proposta, muito pouco útil, aliás. 
    Foi assim que o seu humor sarcástico e inteligente quase lhe roubou a vida - Olha, estou a construir estradas e a dotar o país de infraestruturas, para campanhas culturais não há vagar. Já que estás empenhado, trás braços para trabalhar!

BUMMMMMM
💣


    A minha Mãe conhece melhor do que eu quanto o meu Pai sofreu ao ver os resultados de um golpe em que participou, em que depositou sonhos, expetativas, esforços... E foi compadecida desta sua dor, que me pediu que escrevesse à Presidência da República.

    E eu escrevi....

Excelentíssimo Senhor Presidente da República Portuguesa,

 

Dirijo-me a Vossa Excelência na qualidade de filha de um falecido Oficial de Engenharia Militar, Major José António Batista Máximo, nascido a 9 de setembro de 1941 e falecido a 4 de abril de 2007, aos 65 anos, vítima de doença prolongada.

No mês passado, condecoraram-se personalidades de reconhecida intervenção na implementação dos objetivos do golpe de Estado de 25 de abril de 1974.

Os protagonistas da História não têm todos a mesma visibilidade. Não pela maior ou menor importância, mas devido à sua personalidade, forma de estar na vida ou convicções.

Como cidadã e historiadora, dirijo-me a Vossa Excelência, suplicando-lhe que não permita que o papel e empenho dos Militares de Engenharia do Exército Português, no Movimento da Reconstrução Nacional, se apague da memória coletiva.

Como ele, houve muitos outros valorosos oficiais de Engenharia Militar que, pelo País profundo, dinamizaram, habilitaram e desenvolveram populações, vilas, aldeias e lugarejos. Não gravitaram no palco político, participaram na construção do cenário. 

Foi outra estratégia de batalha pela igualdade social e cultural. Empenharam os seus esforços a fazer o que melhor sabiam. Colocaram os seus conhecimentos técnicos ao serviço da igualdade de todos. Unificaram o País, encurtaram as distâncias físicas, traçaram estradas e muito mais, para que os portugueses se fossem libertando dos grilhões do isolamento.

Não se pode falar de conquistas do 25 de abril sem mencionar igualdade económica, social e cultural. Assim, calar a intervenção destes valorosos homens de comando é calar uma parte importantíssima das conquistas do 25 de abril.

A maior das conquistas, julgo eu, não é a liberdade de expressão. É a de fazer o bem, fazê-lo bem, com consciência de dever, com empenho, sem perder de vista a universalidade dos direitos, liberdades, garantias e deveres, única condicionante do exercício de uma cidadania consciente. Julgo que deixar na sombra este ensinamento da nossa História é limitar o potencial do futuro.

O meu Pai integrou o grupo restrito de Capitães de abril, onde na altura se encontrava aquartelado, no Regimento de Engenharia n.º 1. Fiel a si próprio, era uma pessoa reservada, dinâmica e muito pragmática. Portugal carecia de infraestruturas básicas e esse era o seu treino, a sua competência, a sua missão e o seu espírito de dever.

Acerca dele em particular, passo a citar um excerto de um louvor que lhe foi atribuído a 24 de julho de 1975, pelo Sr. Coronel de Engenharia Arménio Gomes Santos Silva:

(…) Capitão de Engenharia n.º 50774911 – José António Batista Máximo pela forma entusiástica como se tem dedicado aos trabalhos atribuídos ao R.E. 1, como missão principal no âmbito da reconstrução Nacional. (…) Com a sua alegria natural, a sua aptidão especial para tratar com as populações, o seu humanismo e abnegação, tem criado sempre um ambiente de descontração e entusiasmo, quer entre os seus subordinados, quer entre as populações, no seio das quais os trabalhos se desenvolvem. Sempre atento e interessado na resolução de todos os problemas técnicos e humanos que vão surgindo, está o Capitão Máximo contribuindo de forma altamente positiva para a ligação POVO – MFA.

(tenho outros documentos na residência da minha Mãe, sua viúva)

Porque não existem Movimentos duradouros sem milhares de intervenientes, e porque por vezes os protagonistas que sobem ao pódio da memória, não são necessariamente quem mais solidificou as grandes viragens históricas, quem detém a representação soberana do País, também tem a oportunidade e a honra de reconhecer quem lutou com outras armas, que não as palavras, por um Portugal melhor.

Não preciso que façam do meu Pai um herói, ele foi-o, é, e sempre o será para mim.

Permita-se que se traga à luz o papel dos Oficiais de Engenharia Militar que, calcorreando o País, deixaram um verdadeiro rasto de espírito de revolução. Ainda hoje, usufruímos dos seus feitos. Temos o dever de os honrar!

Respeitosamente e com muita gratidão pela atença dada a esta mensagem,

Subscrevo-me