segunda-feira, 22 de julho de 2019

Tantos Livros Que Eu Já Li...


Parece que foi ontem. Numa última subida ao terraço, do prédio, despedia-me das férias, sem saber o que seria o futuro. 

Não tarda, fará dois anos de uma enorme provação de toda a ordem. Se algum dia cheguei a duvidar que a noite deixasse, para sempre, a verdade escondida na sua escuridão, hoje, volto às terras de Caparica, certa de que cada pedacinho da história, cada palavra, cada ato, a claridade do dia abarcará. Quando se vive uma experiência, sabemos exatamente aquilo por que passámos. Hoje, amanhã ou daqui a um mês, diremos sempre a mesma coisa.

Qual detetive, após desvendar O Mistério, sinto um enorme alívio. Confesso que com tanta salganhada, já duvidava de mim mesma. Não que me sentisse insana (para azar de muita gente), mas porque não queria acreditar em muitas coisas que via desenrolarem-se à minha frente. Tão enganada andava eu, acerca da natureza humana. Acho que, quando temos a felicidade de estarmos rodeados de pessoas maravilhosas, não conseguimos conceber que resida tanto ódio, ganância, mesquinhice e tantas outras coisas feias, demasiado abjetas para estragar o texto.


Já fiz parte de um rebanho mais vasto, chamado Corpo Docente. Não no sentindo pejorativo, atenção. Para ser franca, não querendo ser parcial, a classe docente é uma das mais indispensáveis para um País. Pelos Bancos da Escola, passa o Portugal de hoje e do amanhã, mas também passou o de ontem. Os professores ensinam os filhos da Nação. Por seu turno, as crianças, adolescentes e jovens adultos, levam muita dessa educação para casa. O inverso também acontece, mas, muitas vezes, da pior maneira. Os miúdos trazem problemas graves, a nível comportamental, e os professores, a bem da prática harmoniosa das atividades letivas, precisam de ajustar estratégias capazes de manter um salutar convívio entre todos. Ser professor é um trabalho admirável, vital para o desenvolvimento da sociedade, acima de tudo, na sua génese, resulta da necessidade coletiva de se projetar no futuro, como se de um instinto de sobrevivência se tratasse. 
Pena de que, de que um Niagara tão profícuo, jorrem, por vezes, águas tão poluídas. Há quem consinta na violência dentro da escola, se é para não ter trabalho ou não, não sei, mas sei que ouvir da boca de alguém que se diz professor: são brincadeiras normais entre as crianças, é aberrante. Se for daquelas brincadeiras que dão direito a Urgência Hospitalar, então, não tenho qualificativos para me referir a professores de tão fraca formação académica e pessoal! 

A escola é o laboratório onde se preparam seres humanos para rumarem ao futuro, munidos de utensilagem intelectual, psicológica e social que lhes permita fazer face à mudança, num esforço coletivo, tendo como objetivo a construção de um Portugal dinâmico, sério, sustentável e meritocrático e íntegro. E eu pergunto-me: onde é que fica a parte de resolver os problemas à estalada?? 

Numa escavação arqueológica: um diz que encontrou um percutor em quartzo e que é necessário referenciar, mas o colega diz que é só um pedregulho. Pois então, treinemos as nossas crianças para resolver estas questões ao murro, e ao pontapé! 


Infelizmente, em muitas escolas, por via da estratégica "cabeça na areia", é confortável apelidar a violência de brincadeiras normais. Por essas e por outras, o meu Filho já está no Karaté. Quem sabe um dia, apanha no trabalho, um colega formatado neste discurso do coice!

Na minha Família, pela via materna, sou a terceira geração de professoras. Línguas Românicas, Educação Visual e História respetivamente. 

Com a minha Avó Lu, aprendi, fundamentalmente, a Ciência da Didática, que ela transformava em arte de ensinar, não tivesse dado à estampa dezenas de manuais de Francês. 

Com a minha Mãe, como sou pouco dada, ou interessada em Belas-Artes, conversei sobre História de Arte, mas, essencialmente, ela ensinou-me tantas, mas tantas coisas, na área da pedagogia. Mais do que décadas a dar aulas, meteu-se de cabeça a ajudar centenas de adolescentes, com os mais diversos problemas comportamentais. Tirou, cursos, formações, dominou problemáticas como a toxicodependência, delinquência infantil, abusos de menores, e tantas coisas mais. Tem o jogo de cintura que é preciso para dominar violência numa escola. Quer a nível de prevenção primária, quer secundária. Acabou por regressar à Universidade, onde fez uma dissertação sobre o assunto, conseguindo compilar toda uma séria de aprendizagens teóricas, bem fundamentadas no terreno. Uma escola na periferia de Lisboa, não é um sítio calmo para se trabalha, muito menos depois de perder um filho. Lamenta-se a existência de professores (pouco dignos do título e com práticas duvidosas) que estejam a leste disto tudo. A isto eu chamo de letargia social e profissional.

42 anos, uns dirão que sou nova, outros que já sou cota. Não tenho a idade dos anos que vivi, mas do que muito vi. Há anos que passam por nós com menos tempestuosidade, outros nem por isso. Não me posso orgulhar de ter tido uma vida sem percalços, mas acho que isso deve ser transversal a muita gente. No entanto, o que tenho tido de feliz, tenho de complicações. Às vezes chego a pensar que a missão de vida de muitos infelizes, é moer a cabeça de gente sã e satisfeita.

Superei muitos obstáculos, perdi muitas batalhas e, pior do que isso tudo, perdi pessoas muito amadas. Amo, das mais diversas formas, muitas pessoas, sou amada e estimada por outras tantas. Tenho um casamento maravilhoso e, com a minha cara metade, divido a parentalidade de um menino que muito amamos e estimamos. 

Quanto à minha Mãe, cujo amor incondicional por mim não tem par, não há qualificativos possíveis para definir uma relação tão peculiar e boa. No fundo, somos duas mulheres feitas que, com a força das circunstâncias, tiveram que aprender a não baixar a guarda. Costumo dizer que somos as sobreviventes da Família.

Há muitos anos, tendo deixado a vida laboral, consegui dedicar-me a muitos outros assuntos importantes, e até a tarefas, que um dia julguei ocas, mas que enchi de um importante conteúdo. Há umas semanas, recebi uma proposta para dar aulas numa Escola Superior de Educação, em Lisboa, e foi surpreendente a prontidão com que não aceitei. Há anos, isto seria impensável, mesmo com problemas de saúde, atirar-me-ia a uma missão destas, como já fiz no passado.

Que sou de saúde frágil, não é segredo para ninguém. Sou bipolar e, no dia em que o soube, recebi uma das melhores notícias da minha vida. A partir de então, orientei o meu caminho. À custa de medicação, sim. Ser doente ou tomar psicofármacos, embora constitua um pecado social, é um ótimo detetor de parvoíce e estupidez. São tantas as "bácoras" que se ouvem que, nem sei se ria, se chore!!

Somam-se 24 longos meses, durante os quais, a minha Família foi atirada ao pântano. Eu, que sempre nadei em águas cristalinas, vi-me perante o desafio de ter de tirar o lixo do caminho. Tanto que eu aprendi. O que as pessoas fazem pelo poder, pela vingança, pela simples cobiça, ou puramente para salvar a pele. Foi mau, mas a verdade é que aprendi muitas coisas. 

Uma das coisas que eu aprendi, é que muitos males fortalecem as famílias, em vez de as separarem. O meu Filho sofreu muito, mas a verdade é que sofrer também é crescer. E foi gratificante perceber que ele está fortalecido. Continua dócil, mas quando lhe batem, sabe defender-se. Se nos disserem, o seu Filho queria bater no colega porque este lhe bateu, e não é assim que se resolvem as coisas. Ai não? Decidam-se. Constou-me que, alguém disse a uma certa pessoa que eu cá sei, que foi lá fazer uma visita de vistoria, que a tareia é uma brincadeira normal entre as crianças. Pelos vistos, só quando o meu Filho apanha é que é normal! Quanta imparcialidade...


Eu tenho uma doença, que, do ponto de vista social, é das mais estigmatizantes. Cheguei a ser vítima de insultos verbais, de voz bem alta, na via pública (uma tipa aos berros na rua a chamar-me maluca?!). Digo isto, não pela importância que dou a esses gestos de baixo nível, mas para dizer que o meu Filho, como parte integrante desta dinâmica familiar, está devidamente consciente do assunto. Como pais responsáveis que somos, pedi conselho a uma amiga pediatra acerca da idade ideal para, os dois, fazermos uma visita formativa, a uma médica pedopsiquiatra. A mãe louca, de quem todos falam, não é a mãe que o M. vê em casa. Que seja um adulto bem formado, humano, empático e sensível, é o meu desejo. É para isso que me esforço como Mãe. Quantos aos outros, que continuem a fazer bom proveito de certas aprendizagens escolares e familiares, e resolvam os seus assuntos à chapada! As farmácias agradecem.

Quanto a mim, e ao nós familiar, continuaremos na nossa quintinha pacata. Não sabemos o que o futuro nos reserva, pois por vezes a podridão teima em não desintegrar-se facilmente. Mas ficamos com a certeza de que, depois de tanto que vivemos, num ano em que comemorámos uma década de matrimónio e, em que eu ganhei uma nova vida com as vértebras arranjadas, nos amamos e defendemos ainda mais. O M. interiorizou, à custa de muito sofrimento, que na verdade, na defesa pessoal pacífica, e no respeito pelo próximo, é que está a arte de viver com retidão. Podia ter virado, a despeito de todos os nossos esforços, mas não… 

Aqui fica um trecho de uma canção que escreveu, quando as aulas terminaram, chama-se - Somos todos iguais. Ainda para mais, um aluno de excelência. E sim…. tem brincadeiras normais entre as crianças, mas não incluem murros, nem pontapés….. Por cá cultiva-se o cérebro e não a violência!

Quanto a mim, foram mais penas, mais aprendizagens, mais informação assimilada e aprendida, muitas pesquisas, muitas viagens, muita perseverança, muitas descobertas, desmontagem de muitos esquemas insólitos… a esplendorosa amoralidade de uma sociedade apodrecida, parca de valores elementares. 

Sempre a crescer e a aprender. 

A somar aos tantos livros que eu já li...