quinta-feira, 17 de maio de 2018

Por cá, 2018 ainda não chegou...


Como é sabido, mudei-me para uma quinta no Interior de Portugal, embora tenha nascido e crescido na Capital. Foi por lá que construí sólidas amizades, que me diverti muito em altura própria, que fiz o meu percurso académico e profissional, que encontrei o meu amor, que casei e que tive o meu Filho.
Mudei-me de armas e bagagens de um ambiente urbano para um muito rural, por causa das paisagens e acalmia circundantes. Trocando as paisagens de betão, pelas vistas verdejantes, a minha Família encontrou um mundo novo para explorar. Aos poucos, fomos aprendendo a tirar proveito de um estilo de vida novo.
As solicitações consumistas, ao fim de alguns anos, deixaram de fazer falta. Os dias agitados, em que se calcorreavam as escadas do Metropolitano ou as horas de ponta em que, agarrada ao volante, não podia olhar para o lado, ficaram para trás.
Como me afastei da vida laboral, longe vão os tempos em que me dividia a dar aulas entre a escola e a universidade. Apesar de choruda, a maquia trazida ao fim do mês, nunca será suficiente para pagar o tempo que tenho estado com o meu Filho.
Não deixa de ser irónico o facto de ter acabado por escolher este modo de vida, tendo em conta que, há muitos anos, idealizava o oposto. Eu era o protótipo da rapariga urbana bem instalada na vida. Tinha planos profissionais e académicos em mente. Lutei por realizá-los. Pelo caminho calcorreei cidades um pouco por todo o mundo. Conheci de perto a diversão noturna da minha Lisboa. Os meus dias eram longos e preenchidos. Havia lugar para desporto, aulas na faculdade, voluntariado e muitas festas.
As baterias eram carregadas na Costa da Caparica, onde tinha um grupo de amigas e amigos para a coboiada. Apesar de nunca ter sido fã do bronze, sempre adorei serpentear por entre as ondas do mar. Cheguei a instalar-me no areal, debaixo do guarda-sol, durante tardes inteiras, em que intercalava a correção de provas globais com relaxantes braçadas no mar. Foi também junto ao cheiro a maresia que durante horas e horas esquecidas me preparei para exames ou escrevi capítulos da minha dissertação.
Na infância, como em todas as infâncias, tive a Vó Lu que me contava histórias. Ela própria, uma avó da urbe, licenciada pela Universidade de Coimbra, professora liceal, escritora de dezenas e dezenas de manuais didáticos, era uma mulher dotada de uma enorme cultura. Antes de iniciar a narrativa, fazia-me sempre a mesma pergunta: queres uma história a fingir ou uma verdadeira? Eu queria sempre a verdadeira. Recordo-me de ouvir sempre fascinada os pormenores dos seus relatos expressivos e empolgantes. É possível que dela tenha herdado os genes das humanidades.
Já que de avós falamos, aproveito para dizer que a minha bisavó Laura era divorciada. A minha Avó, apesar de já ter mandado o meu Avó passear há muitos mais anos, só conseguiu divorciar-se oficialmente quando o Estado Novo caiu. Não havia pensão de alimentos para ninguém! Teve de se virar sozinha.
A minha Mãe casou uns 15 dias antes do meu Irmão nascer, numa conservatória em Pinhel, onde o meu Pai estava destacado como engenheiro militar. 
A minha Mãe estudou nas Belas-Artes de Lisboa, fez-se professora, tirou o Mestrado em Ciências da Educação, tendo coordenado o seu departamento durante os últimos quinze anos no activo. 
Sempre a conheci como uma mulher de armas, destemida e forte. Tenho aprendido muito com ela ao longo da vida. Dado que o meu Irmão faleceu e uns anos depois o meu Pai também, eu e ela ficámos sozinhas. Penso que a partir de então selámos uma aliança muitíssimo especial. Estabelecemos uma importante "parceria" na forma como enfrentamos a vida e nos inter-ajudamos. É raro vê-la fraquejar. Comoveu-me quando eu estava deitada numa maca, prestes a ser levada para o bloco operatório para a neurocirurgia à coluna, ouvi-la sussurar-me ao ouvido e a chorar: Lembra-te disto minha Filha: Aconteça o que acontecer, não haverá no mundo quem te ame mais do que eu! 
Sempre fui muito chegada ao meu Pai. Tenho uma enorme admiração e afecto por ele. Na verdade, tive nele um incondicional amigo, um excelente protector e também uma boa companhia em momentos divertidos. 
Jamais esquecerei as Galas a que íamos sempre juntos porque a minha Mãe não tinha paciência para isso, indo eu em sua representação. Ele sempre com o seu smoking e eu empiriquitada com roupa, normalmente, preta e prateada, enfeitada com as jóias maternas, que só invadiam os meus dedos naqueles dias festivos. 
Preencherá para sempre a minha memória a lembrança das viagens que fizemos pelas cidades, vilas e aldeias deste nosso Portugal. De máquina fotográfica em riste, registei imagens de ruínas celtas e romanas, de muralhas medievais, igrejas e palacetes. Fazíamos uma espécie de passeios temáticos: castelos, praias, Alentejo, Beiras, etc.. Contam-se igualmente as idas anuais ao Porto para comprar roupas giras, num tempo em que havia poucos shopings. 
Não sou velha, nem nova. Não se pode dizer que tenha pouca experiência de vida. Já estudei muito, li e escrevi bastante. Quando não sei, não invento ou digo que sei, mas procuro saber. À excepção daquilo que possa acontecer às pessoas que eu amo, nada nem ninguém me mete medo. 
Este ano lectivo, ao saber que o meu Filho estava a ser vítima de bullyng na escola, tive de agir no sentido de travar as agressões. Como o concelho em que resido é pouco mais do que uma aldeia, cristalizada nos tempos medievais, tive de enfrentar muitos ódios e dificuldades. Não sou de lá e nas cabeças medíocres dos ali nascidos e criados, não havia problema em o M. ser constantemente agredido. O verdadeiro incómodo foi uma forasteira mexer com os poderzinhos instalados "obrigando" a escola a fazer o que lhe é devido, através de uma inspecção. 
É óbvio que não posso generalizar à escala nacional, mas, tirando honrosas excepções, os campesinos desta terra funcionam à boa maneira feudal. Arbitrariedade, autoritarismo, clientelismo e caciquismo por cá, são um modo de vida. A democracia manifesta-se apenas e só, no dia das eleições. Quem vem de outras cidades é tratado de forma negativamente diferenciada. O que leva estas gentes a tão grande xenofobia quando não passam de um povo de emigrantes, cujas aldeias se invadem de "avecs" no rico mês de Agosto, é algo que, do ponto de vista sociológico, me intriga bastante. 
Ainda assim não me arrependo nem por um segundo ter rumado da urbe ao campo para aí criar raízes. As saudades da minha terra e da minha gente colmatam-se com 300 km de comboio ou carro. Sempre que quero ou preciso, vou respirar um arzinho de actualidade e mentes arejadas à Capital. 
As gentes campesinas daqui, na sua maioria, pouco ou nada me interessam. Como costumo dizer: Já tenho 40 anos e não vim cá para fazer amigos. Tenho muitos e bons na minha terra. Do que eu realmente gosto é da vida que encontrei na Serra. Possuir um pequeno pinhal onde se aloja a minha casinha de granito, mais um grande pedaço de terra onde posso cuidar da minha horta, enche-me as medidas. Enquanto o miúdo está na escola atarefo-me com os meus afazeres no mais repleto silêncio. Em frente à janela, a escrever ao computador, posso ter o prazer de passear os olhos pela montanha verdejante que se estende à minha frente.
Neste caso muito concreto e, quanto a mim, não são as pessoas que fazem o sítio. Na verdade, estas são as ervas daninhas que insistem, sem sucesso, em estragar as belas paisagens e qualidades da vida no campo.
Não é mito. Há locais parados em tempos, há muito, idos, em pleno século XXI. Sim, por cá, 2018 ainda não chegou... 

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Enquanto eu acreditar, acontecerá


 
Há coisa de nove meses, que não aparecia por aqui. O canto não ficou esquecido, mas temporariamente abandonado. Por vezes é preciso reformular a vida. Há abanões que levamos que têm o condão de nos acenar com a felicidade de uma vida simples, humana, sincera e, porque não, sempre igual.
Eu, que há muito me sentia feliz comigo, com a minha alma e o meu corpo, dei por mim a descer um poço fundo, lamacento e horripilante. Mas a verdade é que, mesmo no fundo de um poço, quando se ergue a cabeça, é possível ver a luz do sol.
Os últimos nove meses reservaram-me dificuldades, grandes desafios, aborrecimento, cansaço e problemas de saúde que me derrubaram. Há cerca de um mês fui submetida a uma neurocirurgia complexa e profunda à coluna. Passados uns dias sem me conseguir mexer, comecei a dar uns passos. À saída do hospital, já era dona de um andar vacilante e hesitante. Nas primeiras semanas, senti-me um copo de cristal, prestes a desfazer-se. Embora a saúde, no passado, já me tivesse falhado severamente, nunca eu me tinha sentido tão frágil.
A minha Mãe veio passar uma temporada connosco para deitar a mão. Com um miúdo pequeno e o Marido a trabalhar, não é fácil. Apesar de, ao início, precisar de ajuda para tomar banho, vestir-me, descer escadas e afins, aos poucos as coisas foram regressando ao lugar. Hoje, já faço pequenos cozinhados, arrumo roupa, faço caminhadas um pouco maiores. Ainda não conduzo e não me visto completamente sozinha. Tenho de andar com uma cinta com barras de metal para não me sentir uma gelatina prestes a desfazer-se.
As dores são outra conversa. Nunca na vida eu pensei que as pudesse suportar a este nível. Apesar de estar com analgésicos fortes, elas cansam a minha cabeça. Apanhei uma infeção pós-operatória e já vou na sexta caixa de antibiótico.
Isto está a parecer conversa de sala de espera de Centro de Saúde, mas tem um propósito. Com todas estas dificuldades físicas inerentes ao pós-operatório, não foi difícil perceber quão boa era a minha vida. É certo que o problema que me levou à necessidade da intervenção cirúrgica não me estava a ajudar. Agora, contudo, tenho a consciência que a curva é ascendente. As coisas vão melhorar. Foi-me oferecida uma segunda vida, e eu vou aproveitá-la ao máximo.
Faço grandes planos para o futuro. Adivinho dias vindouros cheios de alegria, novas experiências, consolidação de laços e muitos e muitos planos de diversão em família. Já aqui tenho dito muitas vezes, não há coisa que seja mais importante para mim do que a família. Quanto à que eu constituí, sou a matrona típica. Levo esta casa para a frente, trato, cuido, organizo, mando e desmando. Canto e danço ao som da música pimba da rádio local, enquanto mexo a panela e o miúdo se ri, ou me diz que danço mal e ele é que sabe como é.
A vida vai voltar a sorrir-me. Tenho a certeza disso. Há momentos da vida que não são fáceis. A par das dificuldades do pós-operatório, enfrento problemas graves que não me estão a deixar recuperar merecidamente. Mas enquanto eu acreditar que a tempestade passará, que eu não baixarei os braços face às adversidades, eu terei forças para fazer chegar o barco à Terra Prometida!