segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Filho és, Pai serás


Pese embora toda a estravagância e loucura que me possa ser atribuída, pois já não me iludo com aqueles que se dizem livres de ideias parvas e feitas, fui, e sou dona de uma vida pacata e normal. Movo-me dentro de um corpo, agora frágil, amanhã não sei. Não estou só no mundo. Tenho família e bons amigos. Tudo gente boa e séria. Pessoas dóceis, amáveis, empáticas e sempre presentes nos bons e nos maus e nos piores momentos. Conto já com um pouco mais do que quatro décadas. No fundo, apesar dos apesares, consigo vislumbrar que tive e tenho uma vida boa.
É certo que me debato com questões um pouco complexas, que não são, por ora, oportunas de mencionar. Mas problemas endógenos e intrínsecos, que insistem em boicotar-nos o simples viver quotidiano, quem não os tem? Como toda a gente, tenho dias bons e dias maus. Não sendo uma pessoa, por norma, pessimista, há dias em que não consigo ver a luz. Mas, não sei bem como nem porquê, possuo esta estranha capacidade, quiçá réstia de um passado de atleta, de, num repam, dar um salto mortal, e inverter mentalmente a situação. 

Não sou de baixar a cabeça perante uma injustiça. Seja lá qual ela for. Se contar o rol de histórias caricatas, possivelmente não sairia daqui. Certo dia, em pleno Metro de Lisboa à hora de ponta, estavam bancas onde se tratava do cartão Lisboa Viva, numa altura de transição. Estava eu na fila, quando me apercebo que um fulano, a ser atendido, se zangou com a menina que estava a trabalhar. Percebi rapidamente que ele estava apenas a descarregar as suas frustraçõezinhas pessoais, como ela era brasileira, soltava-lhe impropérios. Porque estava na terra dele, porque nem português falava (brasileirês, não sei!), porque vai para a tua terra, porque assim e porque assado…. A garota chorava. Pudera! Uns polícias faziam a ronda, e o parvalhão chamou-os para se queixar (vá-se lá saber porquê!). Os senhores fardados estavam baralhados com o discurso acelerado e nervoso. Só se ouvia: Eu pago os meus impostos! Eu pago os meus impostos! A menina chorava… Num meio que não era o seu, na confusão da hora de ponta, eu não teria feito outra coisa. Como sempre me acontece nestas ocasiões, subiram-me as náuseas que sinto quando observo o extravasamento de assuntos mal resolvidos, vertidos violentamente em quem se sabe poder magoar impunemente. Vomitei! Dirigi-me rapidamente aos polícias, dizendo que tinha assistido à cena toda, que o queixoso foi mau, rude, deseducado e desrespeitador para com a menina. E tudo desnecessariamente. Eis se não quando, o povoléu à minha roda, junta a sua à minha voz. Imediatamente abandonei a cena. As pessoas ficaram todas a falar com os polícias, e o ordinário saiu em passo apressado, soltando granidos. 

Haja coragem. Coisa que não vejo muito à minha volta. Surpreende-me ver pessoas auto votarem-se ao silêncio e à prepotência de outrem. No episódio atrás relatado, foi impossível não ouvir mentalmente a famosa música de António Variações - quando fala um português… - Estranho país este, em que as pessoas exercem a sua mais séria cidadania em discussões futebolísticas, se engalfinham com a claque do outro clube e gritam na TV a plenos pulmões que o árbitro é um ladrão. Mas sair do rebanho para defender quem está ao lado a ser espezinhado, ou pegar numa caixa que ficou à porta de um café com uma gata lá dentro e levá-la para casa, na esperança de lhe encontrar uma casa nova. E chorar porque fez tudo para a salvar, mas ela definhou de desgosto provocado pelo abandono. E casar uma semana depois de coração cheio e alma triste. Foi premonitoriamente batizada por mim de Aba, diminutivo de abandonada. Abandono que lhe traçou o destino. 

Assim passo eu pela vida, apelidada de louca, bruxa má, alcoólatra e madrasta prepotente. Quem me conhece, conhece também a minha natureza sincera, frágil, combativa, impulsiva, aventureira, atrevida e livre, mas má nunca! Fiz as minhas maldades, é certo. Por vezes um pouco premeditadas. Costumava fazer parelha noturna com uma grande amiga, e a verdade é que a nós duas, ninguém nos agarrava ou punha freio. Andanças à parte e vinho à pressão de lado (de que nem sinto o cheiro há mais de uma década), não sou má. Por vezes, confesso que adorava sê-lo. Prefiro o apelido de justiceira, se é que sou digna de algum.

Os meus pares, quando lhes dou conta de lutas e causas, ouvem-me, dão-me crédito. Compreendem o meu sofrimento. O certo é que, pedantismos à parte, tenho sempre razão. Quando ergo a espada da determinação porque farejo o laxismo, sei que podia passar por Rei Artur. E porque a corrupção moral (porque a outra é-me um tanto indiferente) polvilha este nosso Portugal, o certo é tudo ficar na mesma. Sei que há um ou outro organismo que funciona com seriedade, e esses já têm intercedido por mim, no entanto, quem erra não quer ficar mal na foto. Mas a verdade é que erra e, para lá da foto, está a radiografia…

Durante bastante tempo, dediquei-me a salvar, mimar, acolher, alimentar, tratar e afins, de gatos de rua, abandonados, maltratados, doentes, recém-nascidos sem mãe, etc.. Vi coisas terríveis. Orelhas cortadas, escalpes arrancados, patas retorcidas, queimaduras provocadas por cigarros apagados em lombos de felinos fofos, dóceis e inocentes. Uns, provavelmente mais doridos dos tratos humanos, olhavam-me com desconfiança. Por vezes soltavam sibilos para espantar o predador. Outros, também vergonhosamente enxovalhados, não perdiam a sua docilidade intrínseca, confiavam, eram dados. Quando alguém aparecia com o desejo de adotar, seduziam os potenciais donos, que muitas vezes se rendiam aos seus encantos. Quem sabe mais inteligentes, com a noção de que a entrega e uma nova tentativa de confiar, lhes pudesse garantir um lar e uma vida nova. Também lidei com feras, cheguei a ir parar ao Hospital por causa de uma valente dentada. Mas continuo a dar-me descontraidamente ao primeiro gato que se cruzar no meu caminho. Nunca me neguei a agir perante uma causa que ache que valha a pena. Não me quedo na preguiça de achar que outros farão qualquer coisa para mudar. Nem sequer sou de me sentar no sofá a dizer que está tudo mal e ninguém faz nada. 
Certa vez, ao saber da demolição de um bairro de lata, cuja desratização se faria dali a um par de semanas, eu e mais quantas, arregaçámos as mangas e revirámos os escombros à cata de ninhadas, gatos encolhidos e amedrontados debaixo de telhas de zinco, etc.. À luz do sol e da lua, fizemos o que pudemos. Não! Acho que não sou má. Tenho, sim, sentimentos. Mas a verdade é que estes são sinceros, e se é para dizer mal, digo, se é para lutar contra o mal, luto! Não me chame eu Elsa!

Nestas últimas semanas, tem-me acontecido algo inédito em mim - repouso forçado. Como estou com problemas graves a nível da espinal-medula, as dores, cada vez mais atrozes, obrigam-me a muitos momentos deitada, ao longo do dia. Aproveito para ler, mas também para me encontrar. Às vezes, confesso que me apetece fugir de mim mesma. Como ando revoltada e espantada com o poder da estupidez coletiva, a corrupção moral, a prepotência, o abuso de poder e outras tantas atrocidades sociais, perco-me em pensamentos negativos. Hoje, ao telefone com a minha Mami, ela empregou uma expressão muito adequada, acontecimentos venenosos. Coisas de quem vive em terras de almíscaros!

Refletir sobre a vida, nunca foi o meu forte. Analiso sempre tudo muito meticulosamente sob o ponto de vista prático, da ação. Quando o problema surge, não há nhonhôs. À boa maneira popular - encara-se o boi pelos cornos. Mas a minha ingenuidade é tal, que quando parto para resolver um assunto, seja ele qual for, já estou a par da legislação toda para não incorrer, nem no erro, nem na ilegalidade. E ingenuidade porquê? Por exemplo, já tem acontecido, que nem sequer os próprios agentes do órgão sabem bem como se trabalha e o que está estipulado. Chega a ser tal o bizarro da coisa, que já me disseram que o artigo de um diploma, que vem primeiro, anula o que vem depois. Qualquer coisa do género: não vê que o 6 vem antes do 88? E estão estas alminhas alapadas ao tacho!
 
Ora, estou eu no sossego dos meus períodos de descanso, quando dou por mim a pensar profundamente na vida. Como deixei o egoísmo para trás no dia em que fui mãe, é essencialmente um coração fora do meu que sinto a bater. Ando, honestamente angustiada. Posso até estar a ser pessimista. Mas de momento não consigo vislumbrar a esperança de que tanto necessito. Nada como um filho para nos mudar tão drasticamente. Não aquela mudança de natureza, pois essa manter-se-á. Mas a mudança de quem nunca valorizou a interiorização dos sentimentos, dando sempre primazia à ação e ao atirar para trás das costas. 
Eu tenho um Irmão que nunca mais vou abraçar, ou pelo menos nesta vida cá na terra. Ele abandonou o corpo com a tenra idade de 24 anos, no ano 2000. É impossível esquecer o baique que a minha vida levou nesse dia 20 de setembro. Tal autómato, nunca cheguei a perceber o meu papel nas cerimónias. Acho que a única pessoa que realmente sabia que ele estava morto, era a minha Mãe. Tenho a estranha sensação de que eu estava num canto, rodeada de amigos, sem lhes ver a cara. O meu Pai estaria rodeado de familiares e colegas, dezenas deles. As pessoas não paravam de chegar. De todos os cantos do País. Nessa manhã, antes de ir para a Igreja, a minha Mãe disse-me, vai bonita para te despedires do teu irmão. Vesti umas calças pretas, uma camisolinha branca e um lacinho na cabeça, também branco. Poucos dias depois, após olhar para o céu e ver o seu corpo esfumar-se pelo ar, subi a um barco, nas praias da Caparica, onde a minha mãe verteu as suas cinzas, que eu quis sentir por entre os meus dedos e que foram desaparecendo na imensidão do mar...

Os dias, os meses, os anos passaram, terminei o curso, fiz-me professora. Tirei o Mestrado com a nota máxima, embora com a alma em luto por ter visto partir o meu muito amado Pai, sete dias antes de estar perante um jurí de catedráticos, a defender um trabalho de anos. Ao longo desses anos de investigação, e porque adoeci gravemente, tendo sido submetida a dois internamentos psiquiátricos, agarrei-me à estrela que há quatro anos olhava por mim. E porque a vida tem destas coisa, ali estava eu, de pé, tão serena como quem está deitada na areia da praia, somente a ouvir as ondas que batem na areia devagarinho, e com essa serenidade, que também não sei de onde veio, da minha boca soou uma pequena e doce dedicatória à memória do Senhor meu Pai. Em redor da sala, vertiam-se lágrimas de tristeza e saudade, mas eu sentia-me feliz dentro da amargura. Feliz porque sabia que ele devia estar muito orgulhoso de mim. E ainda hoje consigo ver uma cópia da minha tese na mesa de cabeceira do Hospital, que ele começou a ler e que ainda conseguimos discutir os dois, em memória dos bons velhos tempo, mas que não conseguiu terminar…

Não sofri a dor de perder um Filho, embora esse seja um espetro que irá pairar para sempre na minha cabeça. Com todos os problemas que o meu Filho teve de enfrentar no passado recente, sabendo eu que ele não está bem, é óbvio que sofro. Esse sofrimento é acicatado pela raiva que tenho a quem lhe fez mal. Não consigo compreender como se pode utilizar um menino para atingir alguém. E como conheço bem demais, dada a minha natureza de tratar as coisas a fundo, tudo aquilo que foi dito e feito, a quantidade de impropérios infundados, sonegação de informação e documentação e tudo o mais que o meu saudoso Pai se aqui estivesse diria, que a minha moral e educação nem me permite catalogar, não posso deixar de considerar que o meu Filho foi atirado a um poço de violência gratuita. 

Para além de lhe proporcionar o tratamento adequado para que ele possa ultrapassar o mal que lhe foi feito, sempre o levei aos melhores especialistas que conheço em Lisboa, seja para o que for, apenas lhe posso garantir a toda a hora o meu amor incondicional. Não cesso de lhe dizer aquilo que sempre me disseram a mim - Vou gostar sempre de ti, faças o que fizeres, aconteça o que acontecer. Não haverá no mundo ninguém capaz de te amar mais do que eu.
Os meus pais sempre me amaram incondicionalmente, esta é uma expressão que ouvi muitas vezes ao longo da minha vida. Mas agora sou capaz de a entender e sentir. Porque, filho és, pai serás… 

domingo, 4 de novembro de 2018

As coisas são o que são...




Como ultimamente não me tenho cansado de dizer, os últimos onze meses foram de muita aprendizagem. Aperfeiçoei bastante o meu olhar crítico perante as instituições, as suas funções sociais e os desajustes das gentes que as compõem. Sempre fui mulher de causas e de amor às camisolas que fui vestindo ao longo da vida. O meu falecido Irmão dizia uma coisa que repito para mim, dezenas e dezenas de vezes ao dia: as coisas são para fazer com empenho. Nem sempre terá sido fácil consciencializar o desrespeito existente pelas vidas alheias, bem como o medo pidesco que se vive em certas zonas do País, relativamente a poderes instalados. 

Apesar de nunca ter dado grande relevância à estupidez alheia, a verdade é que desta vez, esta, por ter sido exercida de forma coletiva e de ter perturbado bastante o equilíbrio emocional do meu Filho, me cansou bastante. É óbvio que jamais simpatizarei com a maioria destas gentes. Não foi fácil, mas foi possível, e hoje é perfeitamente natural passar pelas pessoas e nem sequer as ver. É simplesmente comco se fossem transparentes. Sempre achei que um Bom Dia até a um pobre se dá, mas parece-me que este dito se aplica apenas à pobreza material, pois a outra não merece o mais pequeno esforço vocal!

Estes foram tempos de mudança e longos meses de adaptação. Como referi, detetei muita inocência em mim. Por outro lado nunca me tinha apercebido tão bem do privilégio que tenho em ser capaz de  ter um olhar global sobre a realidade sociológica do País.

Tenho um pé na Capital, um na praia e outro no interior. A minha vida foi feita em Lisboa, sempre passei fins-de-semana e férias na Caparica. Vivi muito por lá, acabei mesmo por casar com um caparicano. Conheço toda a envolvência e modo de vida dos pescadores e suas famílias, cresci com eles. Desfrutei da languidez da vida despreocupada em que o tempo não se contava, não havia para onde ir, nem onde estar. O mar engolia o sol todos os dias e nós desfrutávamos essa imagem, sentados na varanda da esplanada, que hoje não existe. A minha Caparica já não é a minha Caparica. Isto são contas de outro rosário...

Também conheço de perto a infância vívida nos pátios dos prédios, onde depois da escola, andávamos de skate e de patins, e por vezes os tombos faziam quebrar os vidros das portas. A vizinhança chamava a polícia, à noite, por causa do barulho de bandos de adolescentes, agarrados às violas, todos juntos, a cantar.

Conheço o ram ram do autocarro, do metro e das corridas, em salto alto, carregada de livros, para não me atrasar para o exame, porque nesse dia a Carris fazia greve. As noitadas de estudo, os prazos para a entrega de trabalhos. Como professora, o stress das aulas, a agressividade dos alunos que, por mais grave que fosse a falta, era resolvida na hora!
A agitação das noites no Bairo Alto ou no Cais do Sodré, para onde caminhava semanalmente, sem antes ficar meia hora defronte ao espelho a encher-me de rímel e riscos nos olhos. À saída, enquanto esperava o elevador, costumava cantar para a minha Mãe - Não venhas tarde...

Já para não mencionar o breve período em que vivi em África, me punha a saltar de baixo das chuvas trocais tórridas e costumava apanhar ananases, que me picavam os braços...

Seria exaustivo analisar tudo o que aprendi e vi nas viagens que fiz, que ascendem às duas dezenas. Vi muito, experienciei muitas coisas e conversei com muita gente em vários cantos do mundo. Desde países evoluidíssimos até ao mais completo oposto, comporto um manancial rico no que toca a observar aquele que é agora o meu mundo.

Há meia dúzia de anos que me mudei para a minha quinta no interior. Acho que já estou cá há tempo suficiente para afirmar que, por aqui, nem sequer tenho o estatuto de portuguesa. Não digo isto com base nos acontecimentos mais recentes. É notória a ostracização profissional e social a que somos votados. Pese embora a minha profissão ou habilitações, serei sempre desqualificada em relação a afilhados/as, independentemente dos canudos (ou falta deles). Não demorei muito tempo a chegar a essa conclusão.
No entanto, acabei por tomar a melhor decisão da minha vida - A minha Missão é a minha Família. Quem sabe se até poderia ter sido uma boa profissional (principalmente a avaliar pelo estado deplorável em que estão os museus da terriola). A verdade é que, a despeito do grave problema de dores que tenho, prefiro um milhão de vezes contribuir para a felicidade dos meus, do que ter de estar no meio de pessoas que não conheço e a fazer sabe-se lá o quê.

Voltando ao cerne da questão, interessa-me, aqui, estabelecer uma espécie de mapa de vida do Portugal que eu conheço. No fundo, sei que este é o meu lugar. Mudámo-nos para aqui para o melhor e para o pior. Tanto eu como o R. somos aficionados pela natureza, pelo ar livre, pela atividade física entre as árvores. Adoro nadar no rio frio nos dias quentes de verão, principalmente agora que o M., de braçadeiras, me acompanha de uma ponta à outra. A risota e brincadeira naquelas águas cristalinas é algo que não tem preço. Quando eu estava melhor da coluna, costumávamos, os três, fazer grandes caminhadas no mato, subindo montanhas e, no final, tirava o podómetro da cintura e via se tínhamos superado a caminhada anterior. Gosto dos Sábado de manhã, em que faço um pequeno-almoço princepesco, agarro no M., e abalamos para o parque, uma exposição, um museu ou mesmo uma igrejinha nas imediações.

Aos Domingos, que apelidei de Dia da Família, tiramos proveito de um dia na semana para, simplesmente estarmos juntos. Dar um passeio, trabalhar na quinta, apanhar lenha ou, apenas ficar no salão a brincar, contar histórias ou ver bonecos animados, num dia frio e chuvoso. Como há uma sessão matinal de cinema infantil gratuito, por perto, de vez em quando é uma opção. Estou sempre a engendrar atividades para fazer com o miúdo, desde mais simples a mais complexas. Por vezes basta dar-lhe uma massa de pizza e ingredientes e estar a fazer a outra pizza, para passar bons momentos com os nossos rebentos.

Apesar dos apesares, não posso dizer que simpatizo com as gentes em geral, mas a mais pura das verdades é que adoro tudo isto. No fundo, a escolha é minha. Pude, um dia dizer, vou escolher onde vou morar - na cidade, na praia ou no campo. Escolhi a pureza do ar e das paisagens. A vida no interior tem isto de bom. É uma vida saudável, o M. pode brincar na terra, ao ar livre. É bom ver que as calças de inverno chegam ao verão, sem servir, e rotas nos joelhos. São incontáveis as vezes em que está de joelhos, lá fora a empilhar pedras ou a revolver a terra, a plantar feijões e batatas por aí, cujas plantas brotam dos sítios mais inesperados. Já para não falar nas nódoas de plantas tintureiras ou de outra coisa qualquer, que eu passo horas a tentar tirar!

Sabemos que a vida é boa quando acordamos e temos vontade de enfrentar o dia. Tenho rancor das pessoas que me boicotaram a vida, é certo, mas por outro lado tento compreender o fenómeno. De manhã, pelas 8 horas, à porta da Junta de Freguesia, na aldeia, a cerca de 4km, diariamente aguardo com o M., a camioneta que o leva à escola. Entretenho-me sempre a ver os cartazes, cartazes esses que refletem muito do Portugal profundo. Cultura é baile, feiras de vinho e enchidos e excursões a Fátima. Não se anda longe dos três F's. Como dizia o meu Pai: O futebol é que induca e o fado é que enstrói! 

Neste país de contrastes, onde o que se diz é verdade, pois Portugal, à volta de Lisboa e Porto, é paisagem. Não falo de árvores nem de prédios, mas de outras estruturas. A estrutura das mentalidades. O interior humano não vive no século XXI, mas as tentativas de alcançá-lo, em tudo o que ele tem de pior, são desesperadas! Tem a sua piada ver raparigas as volante, com o carro encostado, em grandes aceleradelas em manifesta mostra de emancipação. Demarcando-se assim da imagem da mãe ou da avó que, de lenço na cabeça e balde no braço, vai de madrugada pela estrada afora, até ao prédio, onde tem a sua leira, apanhar as couves para os coelhos e para o caldo. Vai-se cedo à lavra e ao Domingo à missa, nunca se faltando a um velório, não vão os outros pensar isto ou aquilo. Ser viúve e não trajar preto é sacrílego... e isto e aquilo...

Não vejo mal nas gentes de lenço, muito menos na sua genuinidade, mas confunde-me esta negação da essência do ser e das origens. A hibridez dá azo ao resultado de ser-se nada ou algo muito estranho. Tirando as máscaras, o atraso é grande e o analfabetismo funcional é avassalador, mas no fundo, eufemismos à parte, as coisas são o que são...

domingo, 16 de setembro de 2018

A Minha Rentrée II



Estamos em plena véspera de mais um ano letivo. Setembro, desde que me lembro de mim, tem tanto ou mais significado do que Janeiro. Ao longo de toda a vida, quase tudo se (re)iniciou em Setembro. Fui aluna ou professora (ou ambos) e, como mãe em "regime exclusivo", esta altura do ano continua a ter um sabor especial. Como pessoa feliz, realizada e otimista por natureza, que sou, os recomeços traçam-me sempre novas metas. Há sempre novos desafios impostos pelas circunstâncias, e os passados recentes ensinam-nos sempre muitas coisas.
O ano anterior ficou, sem dúvida, marcado por uma das mais arriscadas manobras físicas a que já fui sujeita. Não foi de ânimo leve que fechei os olhos por seis horas enquanto se escarafunchava na minha espinalmedula, se retorciam vértebras e se instalavam próteses. O frenesim de gente amada à minha volta, que constantemente me apoiou, junto de mim ou à distância, fez-me sentir feliz dentro da minha fragilidade e desânimo face às dores.
O meu "mais-que-tudo" ficou a cuidar do nosso Filho e, há distância de mais de 200km, ficou a aguentar o barco da ansiedade que se sente nestas circunstâncias. A minha Mãe permaneceu sempre junto de mim no internamento hospitalar. Sofreu com a angústia da espera de quem já tinha sentido a dor de perder um Filho.
A chegada a casa foi triunfante. Olhar para os olhos de felicidade dos meus Amores, espelhando o alívio de quem já tinha superado mais esta etapa. Custou-me a falta das correrias costumeiras direitas aos meus braços do M., depois de horas de escola ou de outra ausência qualquer. Como menino dócil e respeitador dos sentimentos dos outros, num ápice compreendeu as minhas limitações físicas. Com o desenvolver, embora lento, da minha desenvoltura física, foi-se tornando um ajudante de peso, chegando-me uma coisa aqui e apanhando outra ali. 
De resto, todo o meu núcleo foi um poderoso apoio, num ano muito problemático. Na verdade, posso mesmo dizer que foi o facto de estar rodeada de pessoas de muito valor, integridade e inteligência que me fez crescer, aprender mais e certificar-me de que a "estrada" por onde decidi seguir pela vida, é a da virtude, do bem e a da honestidade.
Amanhã, pela manhã, largarei o meu Filho na carrinha da escola em direção ao primeiro dia do seu 2.º ano de escolaridade. Há um ano letivo pela frente que se deseja melhor do que o anterior. Todos crescemos um pouco com o trágico episódio de bullyng perpetrado ao meu Filho. Desde idas ao SU, choradeira, apatia, aneurese e pesadelos noturnos, o meu Menino, de apenas seis anos, foi sujeito a duras provações. Não se quedando por aqui, o assédio físico e psíquico de todo o tipo de funcionários da escola, enraivecidos por terem sido chamados à razão pela sua vergonhosa negligência, também se fez sentir.
Esta história triste hiperbolizou-se porque se passou numa terra que, apesar de não ser uma aldeia, a mentalidade é altamente tacanha e aldeã, à laia de Salem. Como Mãe, não pude deixar que o M. continuasse a ser um "saco de porrada", à mercê de meninos perturbados que espraiavam as suas raivas pessoais num menino frágil e dotado de muita assertividade.
A verdade é que só tomei conhecimento de toda esta violência quando, depois da escola, tive de ir direta para as Urgências Hospitalares. Nunca me disseram nada. Indecente! Informar para quê? Permito-me pensar que nunca me disseram nada para eu não "atrapalhar" os hábitos instalados. 
Não fica por aqui, a história elevou-se a contornos macabros. Face à inoperância da escola, tive de resolver o problema por mim. Claro que, no entretanto, o M. continuava a ser a chacota dos agressores, valeu-lhe mais uma urgência hospitalare e muitas marcas no corpo (pescoço, ombros, orelha...). Estranhamente e com muita estupefação da minha parte, os paizinhos viraram-se todos contra mim. Pessoalmente, considero esta atitude muito descabida. Pese embora esta gentinha goste muito de se imiscuir na vida uns dos outros, eu sou de outra estirpe. Não tenho de justificar as minhas ações ao popularucho que, hoje, depois de tudo, genuinamente desprezo e com  razão. 
Um pedido desesperado à Inspeção do Ministério da Educação e Ciência despoletou diligências que, segundo palavras do Inspetor, me vieram dar toda a razão. Ainda assim, as gentes do burgo continuavam muito revoltadas. Certo dia, fui a uma reunião da Associação de Pais(Associação esta, que também dava azo a outra postagem), o que lá vi e vivi, só filmado. Muitos pais clamavam por provas, explicações, muita berraria dirigida a mim entre muitas outras coisas que nem vale a pena descrever, dada a sua baixeza. 
Fomos também a uma reunião com o diretor, convocada por pais enraivecidos contra nós. Estavam revoltados porque havia um funcionário a vigiar o M., e outro para os restantes 150 alunos. ???Afirmou-se entre linhas, que jamais teriam descanso se o nosso Filho continuasse a frequentar a escola. Entre tantas outras barbaridades. A piada mor foi o facto de o pedido para a reunião ter sido assinado por cerca de 16 pais, e apenas compareceram nove. Vá-se lá saber...
É óbvio que tudo isto é muito descabido e irregular. Não existiu qualquer sentimento de empatia pelo facto de uma criança de seis anos estar a ser sistematicamente perseguida e agredida física e psiquicamente em espaço escolar. O que existiu realmente foi uma coletividade enraivecida por ter sido posta em causa, afinal de contas, quem veio agitar as águas nem é conterrânea, nem vai à missa ao domingo para socializar. Tenho muita dificuldade em compreender estes mecanismos mentais perversos que não olham a meios para atingir fins.
A agravar a situação do povo, a descoberta de que eu tinha uma doença, nas suas cabecinhas pequeninas, muito "perigosa", à boa maneira da mais rotunda ignorância, condenaram-me por esse crime. A citação diria: Perdoai-os, Senhor, eles não sabem o que dizem. Eu permito-me acrescentar: eles não sabem nem sonham do que estão a falar, pois não passam de uma corja de medíocres, ignorantes, incultos e preconceituosos.
Por coincidência, estou a ler O Livro Negro do Comunismo e nem se podem imaginar as semelhanças entre esta história e as purgas estalinistas. Esta gente está completamente apodrecida, os seus valores estão invertidos, embora eu duvide que os tenham.
Quanto à escola, são contas de outro rosário. Aprendi que quem está junto das crianças, nem sempre quer o melhor para elas. Aprendi que quando se tem quezílias com os pais, quem paga são as crianças. Elas acabam por ser meios para atingir fins. As declarações prestadas pela instituição por intermédio dos seus intervenientes, revestem-se de autênticas formas de esquivar-se o mais possível aos erros cometidos para salvar a reputação, evitar futuros problemas, para não referir as contas que prestam à consciência.
Porque de consciência falamos, não posso deixar de referir que, aquilo que me tranquiliza e me serena é o facto de saber que fiz o correto e salvei o meu Filho (os pais do agressor tiveram a ideia peregrina de o retirar da escola). Agi sempre dentro da legalidade e da racionalidade e, apesar de ser Bipolar, ultrapassei esta má fase sem adoecer, felizmente, apesar de tantos ataques cerrados, não caí numa depressão profunda. Muitas pessoas das minhas relações acompanharam atónitas, à distância esta história pesada. Lançaram raios e coriscos a pessoas tão más, que nem sequer tiveram o cuidado de reparar que, no meio, estava apenas um menino. Voltando à questão da consciência, continuo a reafirmar que me pautarei sempre pela dignidade que imprimo aos paços que dou. Foi assim que fui educada e a minha vasta instrução e cultura também não me permite ser de outra maneira. Volto a referir que o Senhor meu Pai incutiu em mim o mais digno dos valores: a integridade. Nas suas inúmeras condecorações militares como Oficial de Engenharia, estão mencionadas as estradas que rasgou nesta zona do País. Hoje, estou em crer que a esmagadora maioria destas gentes, que vergonhosamente pisa o seu contributo à Nação, não merece um grãozinho do seu alcatrão, pois jamais estará à altura de quem as projetou. Estão a vasta distância de quem me educou! E eu pedantemente digo e assumo-o, por estas terras, tenho as minhas duvidas que haja mais do que algumas pessoas que se me equiparem. E esta afirmação, assino-a e assumo-a. Há quem não saiba o que significar Assumir os Atos ou as Palavras!
Outro dos contornos foram as cartas anónimas. As pessoas podres e baixas escondem-se por de trás do anonimato quando sabem que estão a dizer coisas muito estúpidas. Não vejo outra explicação. Quando temos vergonha daquilo que dizemos, ou não dizemos, ou escrevemos uma carta anónima. Claro que a cobardia é a explicação mais óbvia. A verdade é que este modus operandi é digno de gente "que olha para o chão". O conteúdo das cartas consegue ser mais absurdo que o ato em si, mas pelo menos permitiu-me perceber a justificação do crime (cometido por mim, entenda-se) - nasci doente bipolar! Apesar dos Médicos Anónimos Populares me terem diagnosticado outras tantas coisas, mais um sem número de sintomas, não deixa de ser triste verificar o nível de ignorância das pessoas em relação a estas matérias. Serem uma grande cambada de ignorantes, não me surpreende, o que é grave é que transmitam estas ideias aos filhos, que serão os adultos preconceituosos do amanhã, perpetuando-se assim o ciclo do obscurantismo.
Também foi muito fácil perceber que um dos defensores anónimos do meu Filho (motivação altamente hipócrita, apenas um fim para atingir os meios) é membro do corpo docente da escola (que eu, por acaso, até sei quem é). Para além de ser uma missiva anónima, embora muito caridosa, que para mim pouco mais é do que lixo, faz diagnósticos no âmbito da pedopsquiatria. Não compreendo os motivos que levam as pessoas a proferir sentenças que não são do seu pelouro. Ora vejamos, das duas uma, ou este povo é pura e simplesmente um cérebro oco coletivo, ou em cada casa há um médico. Se assim for, digam, estou com uns problemas na tiróide, talvez haja um endocrinologista aqui na Ordem Municipal dos Médicos.
Para terminar e à laia de conclusão, o grande problema foi que a ignorância coletiva deu-me como "louca", seja lá o que isso for. Para ajudar à festa, nós somos uma família migrante e este povo de emigrantes do Interior do País, estranhamente, é muito xenófobo, só os emigrantes que passam cá o mês de Agosto é que são os "forasteiros benquistos". Ou seja, ter-se-á juntado o útil ao agradável e tentou-se que os invasores abandonassem a terra. Como se enganaram! Gosto de morar aqui por ser campo e estou-me nas tintas para a paisagem humana cá do sítio. Não resisto a acrescentar que, certo dia, uma mãezinha desatou aos berros para mim no meio da rua. Disse muitas coisas estranhas, falou em maluca e manicómio. Como tenho classe e sou educada, obviamente não proferi uma palavra. No entanto, pergunto: quem está perturbada? Apesar de ter sido acusada de andar a chamar nomes às pessoas (numa carta assinada por um anónimo), de tarde à porta da escola, naturalmente que nunca o faria. A minha educação não o permite. Ironicamente, o acusador anónimo esqueceu-se que eu estive entrevada desde Março a meados de Junho devido a uma profunda neurocirurgia à coluna. Lá diz o velho dito: mais depressa se apanha um mentiroso...

Quanto à CPCJ local, se eu contasse o que sei... Fico-me por sugerir a leitura da legislação acerca da forma como os seus membro são escolhidos. E já agora, se tiverem paciência, investiguem documentação sobre os regentes escolares, entre 1935 e 1940, depois... comparem informações e retirem as vossas conclusões!

E assim termina mais este episódio da vida da minha família, recheado de ataques pessoais, preconceito, muita vigarice e que, lamentavelmente, apesar de todas os nossos esforços em ajudar o M. e canaliza-lo para todo o tipo de acompanhamento, a verdade é que se tornou um joguete nas mãos da ralé, para nos atingir.
Cada uma das personagem externas à família, saberão ao certo quais as suas motivações e as razões dos seus ódios de estimação. Fiquem-se com eles!

Quanto a mim, a Rentrée já está preparada. A normalidade reinstalou-se, as rotinas de trabalho retomam-se e a coluna, desta vez sim, melhora a olhos vistos. Esta semana retomo a Natação e dentro de uma semana partilharei a organização caseira, pois tenho muitas novidades!

Um excelente Ano Letivo 2018/2019! Esperando que cada qual se meta nas suas vidas.

NOTA: Esta história aplica-se apenas aos supostos envolvidos na narrativa, no entanto ressalva-se que pode ser ficcionada. 

sábado, 21 de julho de 2018

Tudo isto é Triste, mas não é Fado

Imagem retirada da internet

Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho a certeza absoluta

Albert Einstein

Estou, finalmente, em vésperas de umas férias bem merecidas, em Família. Este verão vai ser diferente, mais entusiasmante, mais comprido e mais divertido. Será altura de recuperar o tempo perdido por via da neurocirurgia. Haverá divertimento a três, com passeatas, dinossauros, museus, feiras. Sardinha assada, do mar para o fogareiro que está no terraço, com direito a jantar na varanda alta, tendo por panorama o sol a perder-se no azul do mar. Churrasco no quintal, na companhia dos avós todos. Como a estadia vai durar, tenho mais planos na manga. Juntar amigos, visitar família alargada e proporcionar aos priminhos momentos de brincadeira.

Apesar das limitações físicas que ainda enfrento, tenciono "ir a banhos" à moda antiga. Feita matrona, refastelar-me-ei numa confortável cadeira, à sombra de um chapéu de sol porque detesto bronzes e de livro na mão!

Na maioria das vezes que me desloco à minha terra, faço-o de relance ou com férias cheias de dias preenchidos e uma correria de afazeres. Parece-me que, pela primeira vez, vou mais descontraída. Não poderão faltar as rotineiras prospeções no Martim Moniz, em busca de cheiros e sabores do mundo. E por falar nisto, eu e o R. aproveitaremos para fazer, pelo menos, um almoço a dois. Por norma, como por cá, contamos essencialmente um com o outro, nunca podemos dar-nos ao luxo destas coisas. Sabe-nos bem estar assim, mas a verdade é que quando damos por nós, achamos que devíamos estar os três a partilhar iguarias japonesas.

À medida que vou amadurecendo, que o meu casamento se consolida com o passar dos anos infindos, que vejo o meu Filho crescer, interagindo nas conversas cada vez com mais fluência, tenho o fortúnio de me sentir mais feliz e realizada a cada dia que passa. Tive perdas cruéis ao longo da vida. Estas fizeram-me sofrer muito. Passei por situações que não desejo a ninguém. Mas felizmente ultrapassei-as e sobraram as aprendizagens que ficaram cravadas em mim.

A saída, por uns tempos, terá um sabor diferente por via dos acontecimentos mais recentes da novela de cordel. A verdade é que tenho certos e determinados valores por fundamentais e, quando verifico que o vulgo os desconhece por completo, fico com náuseas. Sou filha e neta de pessoas muito íntegras, honestas e instruídas. O meu Pai foi, sem dúvida, um grande agente da minha educação. Nele, mais do que as suas palavras, foram os seus exemplos de vida que, ao longo dos 27 anos que tive o privilégio da sua companhia, que sempre pude observar. Era um homem inteligentíssimo, Engenheiro  Militar, Oficial de alta patente do Exército português que, acima de tudo, me formatou na importância da integridade humana, na honestidade, na coerência naquilo que dizemos e na defesa da verdade. É humano errar, mas podemos sempre assumir o erro e desfazê-lo. Não custa nada, não envergonha ninguém e só prova o nível da pessoa. Quanto a esta questão de assumir posições, independentemente de estarmos a fazer o mais acertado embora tenhamos a convicção de que sim, e corrigi-las quando é necessário, digamos, tratar-se de um fenómeno finito.

Recordo-me de estar a aprender o infinito em Matemática, nos bancos da escola, e ter alguma dificuldade na apreensão do conceito. Este pensamento terá caído no esquecimentos até me cruzar com situações e vivências tão esclarecedoras acerca do assunto. Nunca pensei deparar-me com uma verificação, tão óbvia, que me tem passado despercebida. A estupidez humana é infinita! Não há exemplo mais concreto.

Versar sobre estupidez seria vasto. Na verdade, tenho a cabeça polvilhada de tantas ocorrências que seria complicado referi-las. No entanto, não é esse o meu intuito. Gosto pouco de diálogos unilaterais, pouco democráticos e parcos em respeito pelo próximo.

Em termos mais gerais, impressiona-me bastante a facilidade com que as pessoas fantasiam situações em proveito próprio. O reino da fantasia não é ilícito, por isso as pessoas escrevem romances. Quem gosta de inventar devia ponderar seriamente em dedicar-se à literatura de ficção, pois pode estar-se a desperdiçar-se um verdadeiro talento. Sei que há muitos leitores, por esse mundo fora, sequiosos de novas intrigas comezinhas. Mas atenção, primeiro é preciso dominar muito bem a Língua Portuguesa.

Não me quero perder na infinitude da estupidez humana, mas importa dizer que é uma característica muito popular fazer uso de cargos e, auto proclamados poderes, para exercer vinganças pessoais por intermédio de assuntos oficiais. Penso que, em terras lusas e corruptas, em geral se trata de um modus vivendi. Pessoalmente, considero este nível de estupidez humana completamente inqualificável. É como tudo, uns só sabem ser assim, outros não sabem ser assim. Gente pequenina, como diz a minha Mãe.

Adoro os especialistas de bolso que "rapam" dos compêndios de Medicina em 10 Lições ou outros que tais, e tecem grandes teorias acerca do que não sabem do que estão a falar, julgando-se passar por grandes teóricos da coisa. Confesso que ao longo da vida, pude assistir a querelas destas, acerca das quais termino sempre com o mesmo sentimento - pena do orador. Não se julgue que o desconhecimento dos temas constitui, em si, uma falha. Cada um sabe o que sabe, estudou o que estudou e leu o que leu. Não tenho pena da ignorância em si, mas principalmente da atitude leviana de versar convictamente sobre o que não se sabe. Há muitos e longos anos aprendi uma máxima: só estou apta a aprender se me capacitar que sei muito pouco. Há cerca de uma década que enceto investigações acerca de um tema muito restrito, e às vezes dou por mim perante a pequenez do meu conhecimento. Trata-se de um sentimento inquietante. Recorrer a este esquema por rotina faz o orador tropeçar na sua própria armadilha. A título de exemplo denotam-se contradições, incoerências, discursos envoltos em nevoeiro dignos de As Brumas de Avalon. O meu Pai, pessoa dotada de grande sentido de humos, quando via um grupo de gente, normalmente homens, em redor de uma obra a decorrer, tecendo as mais variadas teorias, chamava-lhes os engenheiros de obras feitas.

Hermenêutica, ora aí está uma tão peculiar ciência e também tão utilitária e tão ignorada. Se pegarmos num texto de quatro páginas, selecionarmos oito palavras ao longo do texto e se fizermos uma citação que resultem numa frase com (...) pelo meio, temos... tcham! tcham! - a frase que quisermos!! Meus caros, isto não é NADA! Claro que, uma obra de referência de semântica ou mesmo um dicionário temático, protegeriam o autor de pertencer ao grupo da infinitude da estupidez humana. 

Quase diariamente se ouvem notícias de missivas com o espaço da assinatura em branco - cartas anónimas, portanto. Eu tinha ideia de que a Revolução dos Cravos, após tantas décadas de implementação, já tinha sortido os seus efeitos. A PIDE desapareceu há muito tempo e os seus elementos já não gozam de poderes, além de que muitos já são muito velhinhos. Mas, pelos vistos, frequentar as festas comemorativas do 25 de Abril, é como ir à missa ao domingo.

É claro que um gesto de tão infinita estupidez, apesar de não revelar o autor, revela mais do que isso, a natureza do autor! Daqui depreenda-se o que se entender. Acho até um tanto engraçado o argumento das represálias. Como gosto de refletir sobre as coisas, um pretexto destes pode querer dizer inúmeras coisas. Assumir o que se diz e faz, não é para todos. Só os fortes e corajosos o fazem. Os chamados cagadinhos, não! Mas continuo na minha, a coragem não é para quem quer, é para quem pode. Há, claro está, as represálias dos professores de Português. Consta-me, no entanto, que alguns dão muitos erros.


Se, por ventura, um espécime desta estirpe infinita se cruzou por aqui, importa tornar a referir que, quanto a mim, se está sempre a tempo da "redenção". Até a considero bastante valorosa e um profundo gesto de auto honestidade.

A grande vantagem da infinitude da estupidez humana é que nos põe a nós, pessoas íntegras, instruídas, educadas e honestas, sempre em constante exercício mental. É que a infinita estupfação humana é, em si, um grande desafio! Esboço agora um breve sorriso, à laia de recordação de uma cena que presenciei no outro dia: estava uma senhora no meio da rua, aos gritos para alguém imaginário, e, descontroladamente, mandava esse vulto imaginário para o manicómio, chamando-o de louco. Muito lamentavelmente, deve ser mais uma daquelas pessoas que, por medo ou vergonha, não se quer tratar. Hesitei se lhe perguntaria ou não, se se sentia bem ou se precisava de ajuda. Devia ter ajudado, mas estava atrasada para a fisioterapia...


Tudo para concluir que, dentro em breve, levarei na mala para as férias, muita alegria, amor, cumplicidade, planos de diversão e, preferencialmente, um pequeno SPA. Por cá ficam os assuntos menos agradáveis porque não fazem falta no destino.

Como ainda tenho um tempinho e, para não desvirtuar o conteúdo essencial do blog, tenciono regressar, em breve, para versar acerca da bagagem da família e toda a logística inerente a uma estadia que, desta feita, será mais relaxada. Está em construção.

Até lá, há sempre a hipótese de ir subtraindo valores ao infinito...


quarta-feira, 11 de julho de 2018

A minha Natureza e a Natureza do meu Coração


Não restam dúvidas, sou da urbe. Foi lá que nasci, cresci, fiz amizades duradouras, estudei, trabalhei, casei e me tornei mãe. Foi também de lá que embarquei para correr mundo, por vezes mundos tão distantes, que nem me davam a certeza de voltar. Foi também lá, que disse um adeus forçado e derradeiro a pessoas que amei com todas as minhas forças. Mas abandonei a urbe por escolha e vontade. Troquei os prédios, as bibliotecas, os museus, os arquivos, a folia das festas de Lisboa e o burburinho constante, por uma vida no campo.

Por ocasião das férias do mais-que-tudo, fomos a banhos à Caparica, como é habitual. À parte estas férias em Família, é relativamente frequente ir à Capital. Tenho sempre coisas para tratar, nem que não seja ver a Mãe ou até uma amiga que viva no estrangeiro, e calhe passar por lá. Gosto também de me abastecer de ingredientes asiáticos e comidas exóticas no Martim Moniz, ver as tendências da moda, passear na Baixa ou vir com o gaiato a um qualquer espetáculo infantil. Enfim, há um sem-número de afazeres que arranjo para dar lá um pulinho.

Desde há um ano a esta parte, nada tem sido fácil na minha vida. Destaco o bullyng sofrido pelo meu Filho e o sofrimento que isso lhe causou e a minha neurocirurgia à coluna. Tenho sofrido de dores excruciantes que tento combater com analgesia prescrita, embora com pouco resultado. À parte todas estas circunstâncias muito pouco simpáticas, nada é comparável à felicidade que atualmente se estampa no rosto do meu Filho. O nosso duro combate contra quem teimosamente fechou os olhos à violência infantil que o M. sofreu pode, finalmente, colher os seus frutos. Ver o M. feliz a brincar na quintinha não tem preço. Este, será um tema para outra missiva que, de momento, não reúno condições para escrever. Estou ainda a digerir.

Mas voltando ao que aqui me trouxe, importa dizer que de cada vez que abandono temporariamente a minha acalmia campesina, ninguém diz que fui nada e criada na urbe. A maioria das gentes das minhas relações partilhou comigo as origens sociais, são pessoas pouco acostumadas a deslocar-se aos ambientes rurais sem ser em viagens pontuais. Nasceram ou estabeleceram-se em Lisboa ou nas áreas adjacentes, por lá têm as suas vidas e criam os seus filhos. Conheço, inclusivamente, pessoas que até são aparentadas com gentes rurais, mas que não nutrem grande apreço por se deslocarem até lá, ainda que por pouquíssimo tempo.

A minha Mãe, nascida na freguesia da Lapa, bem no centro de Lisboa, cresceu entre a sua casa e a casa das avós, também por ali. Na juventude, calcorreou as ruas da Baixa, onde frequentou as Belas-Artes. Ainda hoje, acomodada ao seu carro, percorre os shoppings, as ruas da Baixa em busca de lojas antigas, que vão resistindo, que vendem produtos específicos, ou até mesmo umas quantas que ainda vão sobrevivendo nas Avenidas Novas.

Eu própria, até ser já bem crescida, ainda sou daquele tempo, saudosismos à parte, em que comprava a roupa mais fashion nos Por-fí-rios ou na Casa Africana. Mas havia muitas mais. Quando fiz 18 anos, o meu Pai ofereceu-me uma ida à Baixa no próprio dia 17, um Sábado, se bem me recordo, para um grande passeio a mirar lojas e comprar roupa ao meu contento. Como esquecer esse dia...

Ainda bem miúdos, eu e o meu Irmão, no início de cada estação, lá rumávamos a uma sapataria na Baixa (cujo nome não me recordo) para comprar as sandálias ou os sapatos. Havia também grandes armazéns de roupa, onde desfilávamos contentes com as potenciais peças novas. Era um tempo diferente do atual. Hoje, já não estou a crescer, nem preciso de comprar roupa a cada estação, ainda assim não consigo resistir à "loucura dos trapos".

Era frequente percorrer com o meu pai as marisqueiras da Cidade. A loucura do lugar para o carro, o barulho e  o cheiro a marisco que se sentia por entre as tascas de Alcântara serão, sem dúvida, memórias cravadas no universo da minha história.

Por Fortúnio e "boa média" formei-me na Universidade de Lisboa, a 20 minutos de casa, de Metro. Passei noites em claro, com os olhos enterrados nos livros e nos apontamentos, em Santos no Ágora, um espaço de estudo para universitários, aberto 24 horas por dia. Após terminar a licenciatura, enveredei pelo Ramo Educacional, findo o qual me esperava um estágio, a lecionar a tempo inteiro com Seminários académicos. No estágio, calhou-me uma escola em Alcochete, na altura não passava de uma pequena vila. Não terá sido com muito agrado que me via desterrada para um local que nada me dizia. Não tanto pelo local em si, mas mais pela distância a que ficava do meu "mundo". Revelou-se, afinal, um ano muito alegre e diferente. Tive oportunidade de ter a meu cargo uma turma de alunos da Academia do Sporting, no seio da qual se encontrava o atual Guarda-Redes da Seleção. Do ponto de vista das relações humanas, foi uma época enriquecedora. Toda a bagagem teórica relativa à psicologia do adolescente, de que era detentora, espraiou-se naturalmente no exercício das minhas funções. Encontrei-me profissionalmente, consegui certificar-me de que todos os meus esforços e empenho na aprendizagem de um míster não caíram no vazio. Em cada aula que preparava e dava sentia-me uma estrela cintilante, certa de guiar os meus alunos ao encontro do Conhecimento. 

Nessa época da vida, havia já passado por muito. Tinha, no entanto, a frescura e a leveza da vintena sobre o corpo. Sentia-me livre e despreocupada, um tanto selvagem, até. A vida pertencia-me por inteiro, tinha nas mãos o destino. Era de natureza jovial, divertida, de sorriso fácil, carregava angústias e já se vislumbravam algumas garras afiadas. Então, como hoje, os gatos transmitiam-me calma, aquela calma que a minha alma tormentosa nem sempre encontrava. Entregava-me horas infindas a tratar de gatos sofridos e traumatizados na União Zoófila de Lisboa, ou acorria a pedidos para acolher temporariamente gatos ou ninhadas em cuidados.

No entremeio, dediquei-me à Arqueologia. O mundo do Passado não era desconhecido para mim, abriu-se no entanto um novo universo perante os meus olhos. As plantas, as montanhas, a terra, os insetos, os cheiros por detrás dos prédios, das estradas, das luzes... Na casa dos vinte, vi-me deslumbrada e hipnotizada pela beleza e força inspiradora da natureza, à qual eu sempre pertenci, sem nunca ter sabido disso.

Os últimos anos passados na urbe, preenchidos com muito trabalho, em que a primeira aula se dava às 8.00 h na Escola e a última às 22.00 h na Universidade, enriqueceram-me profissionalmente. Do ponto de vista académico a bagagem que trouxe foi, sem dúvida, monumental, ainda assim, sempre senti um espaço vazio nas profundezas da minha alma.

Comprei uma segunda habitação no campo, onde descansava, qual guerreiro derreado do combate semanal. Aí, a alvorada era espontânea, sem a obrigatoriedade de uma ansiedade antecipada por que tem que ser, porque é preciso ser-se agressivo na cidade. Lentamente fui consciencializando que, quando a estrada se aproximava destas terras, se podia sentir o cheiro relaxante a feno. Podia finalmente sentir-me o animal que sou e sempre fui.

Hoje tenho a minha própria Família, que amo com toda a força das minhas entranhas. Morar aqui, neste sítio que é nosso, onde à nossa volta crescem árvores, flores e até ervas daninhas, onde se pode sentir no corpo as águas frias do rio em dias tórridos, é profundamente encantador. Nesta quinta, onde se planta a minha casinha de pedra, onde me sinto matrona deste lar tranquilo, feliz e afetuoso, tenho uma sensação de pertença nunca antes sentido. É aqui que sou feliz, é aqui que eu pertenço.

Para onde quer que eu vá, onde quer que eu acabe os meus dias, a minha natureza pode até oscilar, mas todo este verde que me envolve é, sem dúvida, a Natureza do meu coração...

domingo, 17 de junho de 2018

Comprazendo-me com a Loucura!

 

Adoro o mês de Junho! Ao longo de toda a minha vida, este mês, felizmente, tem sido de uma enorme alegria. Não só por ser o mês do meu aniversário, do aniversário do meu casamento e das festas da minha Lisboa. Nativa de Junho, gemeniana pura, com a maioria das casas em Gémeos, segundo uma amiga que percebe do assunto, seja lá o que isso for, assim sou eu. 
Este mês anuncia a vinda do verão, a minha estação do ano preferida. Verão é divertimento, praia, folia e lazer. Embora para trás tenham ficado os verões entre amigos, divididos em sardinhadas junto ao mar e caracoladas nas esplanadas da praia, hoje o verão tem outro sabor. Embora a morar no interior, verão ainda sabe a praia sempre que quero, ou a saudade da envolvência das origens impera.
Hoje em dia, o verão é sentido como uma bela oportunidade de usufruir da família. Apesar de passarmos sempre uns tempos na Caparica e Lisboa, a maior parte da estação é passada em nossa casa. Passeios por aldeias remotas, rios, piscinas e picnics, preenchem os nossos dias.
Este ano as férias trazem consigo um novo desafio, pois decidimos ficar com o M. em casa, ao invés de o "descartarmos" num ATL. Para além de uns dias de atividades camarárias na piscina municipal, ele vai ficar connosco. Quando ele entrou para o 1.º ano, em Setembro, eu e o R., assim decidimos.
Quanto a mim, confesso que estou muito entusiasmada com a ideia, mas igualmente um tanto receosa. Quem por aqui me segue, sabe que sou uma pessoa muito metódica e organizada. Há semanas que não para de pensar num plano para nos manter ocupados durantes estes meses. O entusiasmo que sinto, advém essencialmente de estar a sentir muita necessidade de recuperar o tempo perdido destes dois últimos meses. A neurocirurgia à coluna deixou-me muito debilitada, pelo que o contacto sofreu as suas limitações. As célebres correrias para os abraços ao chegar a casa, da escola, com o Pai, tiveram de acabar, por exemplo. Tal como o costumeiro beijinho de boa-noite, pois não é possível dobrar-me para o aconchegar nos lençóis. Já para não falar na usual história para relaxar antes de ir dormir. Só há umas três semanas é que tenho conseguido deitar-me junto a ale para, os dois, a meias, lermos o enredo. Já lê comigo. Como cresceu!
Nem tudo são rosas, há muitos espinhos pelo caminho. Mas eu digo, entre a rosa e o espinho, vive o belo aroma que esta flor liberta. A vida é, para todos nós, polvilhada de desaires e amarguras. É verdade que uns são mais bafejados pela sorte do que outros. Mas é verdade também, que a sorte e o azar, como todos os conceitos, dependem da nossa apreensão. Ou seja, se nos acharmos muito azarados, sentimo-nos muito infelizes. Por seu lado, podemos achar que temos muito azar na vida e ter de lutar um pouco mais, considerando isso uma enorme sorte. E um sem número mais de perspetivas. Nesta última que enumerei eu, nesta fase da vida, incluo-me.
Não posso deixar de considerar que, ter perdido o meu Irmão em idade tão precoce, e o meu Pai aos 27 anos, que por 7 dias não teve a felicidade de me ver Mestre, foi um infortúnio. Causou-me um sofrimento atroz e obrigou-me a vivenciar experiências pelas quais ninguém devia passar. Fui caindo aqui e ali pelo caminho da vida.
À parte tudo isto e voltando ao Mês de Junho, hoje, no dia em que festejo as minha 41 primaveras, sinto um grande sabor a felicidade e libertação. Estou leve, alegre e confiante no presente e no que há de vir. Desde há alguns meses que enfrento alguns problemas pessoais, dos quais posso finalmente respirar de alívio. Mais do que qualquer outro ano, anseio veementemente a vida das férias do verão. Só penso em meter mãos à obra, fazer um levantamento de atividades possíveis, fazer planos de estudo e horários para dar aulas em casa e quantas mais ideias tiver.
Sou daquelas que acha que um problema traz mil aprendizagens. De entre as muitas coisas que aprendi nos últimos meses, umas foram mais positivas do que as outras. Fiquei a conhecer aspetos da natureza humana com os quais nunca me tinha deparado. Pior do que tudo, foi ver o menosprezo que muitos adultos nutrem pelas crianças. Por vezes verifiquei isso em adultos com responsabilidades acrescidas nessa matéria. Em termos humanos e humanitários, foi o que mais me impressionou, confesso. Para mim, uma criança só sobrevive com a proteção do adulto. É assim desde tempos imemoriais, desde que vivemos em cavernas.
Aprendi outras coisas curiosos, até caricatas, se não cómicas. A determinada altura do campeonato, devido à forma que escolhi para enfrentar o problema, aleado ao facto de se saber publicamente que sofro de perturbação bipolar (fui à TV falar sobre uma vertente do assunto), istlou-se uma espécie de histeria coletiva. A população do sítio, ao que parece, estava com muito medo de mim. Nas suas cabeças eu seria bastante perigosa. Inclusivamente, tive conhecimento, por interposta pessoa, do envio de uma enormidade de missivas dirigidas às mais diversas entidades, referindo a minha doença. Penso tratarem-se de uma espécie de denúncia por crime de doença bipolar. Como se isto não fosse cómico o bastante, as cartas eram anónimas. No fundo até percebo que os autores deste tipo de baboseiras não queiram assumir a autoria da sua própria ignorância.
Pela vida fora, aprendi a viver com a doença bipolar. Não gosto de ter esta doença, tal como não gosto de ter os outros problemas de saúde que tenho. Ninguém gosta. Reconheço que as doenças psiquiatras têm uma especificidade singular. Quer do ponto de vista do paciente, quer da sociedade. A ciência é simples: Perceber a doença, encará-la de frente, assumi-la, e tentar não permitir que a ignorância social nos derrube. Se partiu um braço é coitado, se é bipolar é louco. Felizmente, por força de caráter ou lá o que for, o que pensam ou dizem é para deitar no lixo. Não é sequer admissível culpabilizar quem quer que seja por ter nascido desta ou daquela maneira.
Abracei a docência pelo gosto de ensinar, pelo amor ao conhecimento. Se na maioria das vezes a ignorância me entristece, neste caso, não posso deixar de comprazer-me com loucura...

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Por cá, 2018 ainda não chegou...


Como é sabido, mudei-me para uma quinta no Interior de Portugal, embora tenha nascido e crescido na Capital. Foi por lá que construí sólidas amizades, que me diverti muito em altura própria, que fiz o meu percurso académico e profissional, que encontrei o meu amor, que casei e que tive o meu Filho.
Mudei-me de armas e bagagens de um ambiente urbano para um muito rural, por causa das paisagens e acalmia circundantes. Trocando as paisagens de betão, pelas vistas verdejantes, a minha Família encontrou um mundo novo para explorar. Aos poucos, fomos aprendendo a tirar proveito de um estilo de vida novo.
As solicitações consumistas, ao fim de alguns anos, deixaram de fazer falta. Os dias agitados, em que se calcorreavam as escadas do Metropolitano ou as horas de ponta em que, agarrada ao volante, não podia olhar para o lado, ficaram para trás.
Como me afastei da vida laboral, longe vão os tempos em que me dividia a dar aulas entre a escola e a universidade. Apesar de choruda, a maquia trazida ao fim do mês, nunca será suficiente para pagar o tempo que tenho estado com o meu Filho.
Não deixa de ser irónico o facto de ter acabado por escolher este modo de vida, tendo em conta que, há muitos anos, idealizava o oposto. Eu era o protótipo da rapariga urbana bem instalada na vida. Tinha planos profissionais e académicos em mente. Lutei por realizá-los. Pelo caminho calcorreei cidades um pouco por todo o mundo. Conheci de perto a diversão noturna da minha Lisboa. Os meus dias eram longos e preenchidos. Havia lugar para desporto, aulas na faculdade, voluntariado e muitas festas.
As baterias eram carregadas na Costa da Caparica, onde tinha um grupo de amigas e amigos para a coboiada. Apesar de nunca ter sido fã do bronze, sempre adorei serpentear por entre as ondas do mar. Cheguei a instalar-me no areal, debaixo do guarda-sol, durante tardes inteiras, em que intercalava a correção de provas globais com relaxantes braçadas no mar. Foi também junto ao cheiro a maresia que durante horas e horas esquecidas me preparei para exames ou escrevi capítulos da minha dissertação.
Na infância, como em todas as infâncias, tive a Vó Lu que me contava histórias. Ela própria, uma avó da urbe, licenciada pela Universidade de Coimbra, professora liceal, escritora de dezenas e dezenas de manuais didáticos, era uma mulher dotada de uma enorme cultura. Antes de iniciar a narrativa, fazia-me sempre a mesma pergunta: queres uma história a fingir ou uma verdadeira? Eu queria sempre a verdadeira. Recordo-me de ouvir sempre fascinada os pormenores dos seus relatos expressivos e empolgantes. É possível que dela tenha herdado os genes das humanidades.
Já que de avós falamos, aproveito para dizer que a minha bisavó Laura era divorciada. A minha Avó, apesar de já ter mandado o meu Avó passear há muitos mais anos, só conseguiu divorciar-se oficialmente quando o Estado Novo caiu. Não havia pensão de alimentos para ninguém! Teve de se virar sozinha.
A minha Mãe casou uns 15 dias antes do meu Irmão nascer, numa conservatória em Pinhel, onde o meu Pai estava destacado como engenheiro militar. 
A minha Mãe estudou nas Belas-Artes de Lisboa, fez-se professora, tirou o Mestrado em Ciências da Educação, tendo coordenado o seu departamento durante os últimos quinze anos no activo. 
Sempre a conheci como uma mulher de armas, destemida e forte. Tenho aprendido muito com ela ao longo da vida. Dado que o meu Irmão faleceu e uns anos depois o meu Pai também, eu e ela ficámos sozinhas. Penso que a partir de então selámos uma aliança muitíssimo especial. Estabelecemos uma importante "parceria" na forma como enfrentamos a vida e nos inter-ajudamos. É raro vê-la fraquejar. Comoveu-me quando eu estava deitada numa maca, prestes a ser levada para o bloco operatório para a neurocirurgia à coluna, ouvi-la sussurar-me ao ouvido e a chorar: Lembra-te disto minha Filha: Aconteça o que acontecer, não haverá no mundo quem te ame mais do que eu! 
Sempre fui muito chegada ao meu Pai. Tenho uma enorme admiração e afecto por ele. Na verdade, tive nele um incondicional amigo, um excelente protector e também uma boa companhia em momentos divertidos. 
Jamais esquecerei as Galas a que íamos sempre juntos porque a minha Mãe não tinha paciência para isso, indo eu em sua representação. Ele sempre com o seu smoking e eu empiriquitada com roupa, normalmente, preta e prateada, enfeitada com as jóias maternas, que só invadiam os meus dedos naqueles dias festivos. 
Preencherá para sempre a minha memória a lembrança das viagens que fizemos pelas cidades, vilas e aldeias deste nosso Portugal. De máquina fotográfica em riste, registei imagens de ruínas celtas e romanas, de muralhas medievais, igrejas e palacetes. Fazíamos uma espécie de passeios temáticos: castelos, praias, Alentejo, Beiras, etc.. Contam-se igualmente as idas anuais ao Porto para comprar roupas giras, num tempo em que havia poucos shopings. 
Não sou velha, nem nova. Não se pode dizer que tenha pouca experiência de vida. Já estudei muito, li e escrevi bastante. Quando não sei, não invento ou digo que sei, mas procuro saber. À excepção daquilo que possa acontecer às pessoas que eu amo, nada nem ninguém me mete medo. 
Este ano lectivo, ao saber que o meu Filho estava a ser vítima de bullyng na escola, tive de agir no sentido de travar as agressões. Como o concelho em que resido é pouco mais do que uma aldeia, cristalizada nos tempos medievais, tive de enfrentar muitos ódios e dificuldades. Não sou de lá e nas cabeças medíocres dos ali nascidos e criados, não havia problema em o M. ser constantemente agredido. O verdadeiro incómodo foi uma forasteira mexer com os poderzinhos instalados "obrigando" a escola a fazer o que lhe é devido, através de uma inspecção. 
É óbvio que não posso generalizar à escala nacional, mas, tirando honrosas excepções, os campesinos desta terra funcionam à boa maneira feudal. Arbitrariedade, autoritarismo, clientelismo e caciquismo por cá, são um modo de vida. A democracia manifesta-se apenas e só, no dia das eleições. Quem vem de outras cidades é tratado de forma negativamente diferenciada. O que leva estas gentes a tão grande xenofobia quando não passam de um povo de emigrantes, cujas aldeias se invadem de "avecs" no rico mês de Agosto, é algo que, do ponto de vista sociológico, me intriga bastante. 
Ainda assim não me arrependo nem por um segundo ter rumado da urbe ao campo para aí criar raízes. As saudades da minha terra e da minha gente colmatam-se com 300 km de comboio ou carro. Sempre que quero ou preciso, vou respirar um arzinho de actualidade e mentes arejadas à Capital. 
As gentes campesinas daqui, na sua maioria, pouco ou nada me interessam. Como costumo dizer: Já tenho 40 anos e não vim cá para fazer amigos. Tenho muitos e bons na minha terra. Do que eu realmente gosto é da vida que encontrei na Serra. Possuir um pequeno pinhal onde se aloja a minha casinha de granito, mais um grande pedaço de terra onde posso cuidar da minha horta, enche-me as medidas. Enquanto o miúdo está na escola atarefo-me com os meus afazeres no mais repleto silêncio. Em frente à janela, a escrever ao computador, posso ter o prazer de passear os olhos pela montanha verdejante que se estende à minha frente.
Neste caso muito concreto e, quanto a mim, não são as pessoas que fazem o sítio. Na verdade, estas são as ervas daninhas que insistem, sem sucesso, em estragar as belas paisagens e qualidades da vida no campo.
Não é mito. Há locais parados em tempos, há muito, idos, em pleno século XXI. Sim, por cá, 2018 ainda não chegou... 

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Enquanto eu acreditar, acontecerá


 
Há coisa de nove meses, que não aparecia por aqui. O canto não ficou esquecido, mas temporariamente abandonado. Por vezes é preciso reformular a vida. Há abanões que levamos que têm o condão de nos acenar com a felicidade de uma vida simples, humana, sincera e, porque não, sempre igual.
Eu, que há muito me sentia feliz comigo, com a minha alma e o meu corpo, dei por mim a descer um poço fundo, lamacento e horripilante. Mas a verdade é que, mesmo no fundo de um poço, quando se ergue a cabeça, é possível ver a luz do sol.
Os últimos nove meses reservaram-me dificuldades, grandes desafios, aborrecimento, cansaço e problemas de saúde que me derrubaram. Há cerca de um mês fui submetida a uma neurocirurgia complexa e profunda à coluna. Passados uns dias sem me conseguir mexer, comecei a dar uns passos. À saída do hospital, já era dona de um andar vacilante e hesitante. Nas primeiras semanas, senti-me um copo de cristal, prestes a desfazer-se. Embora a saúde, no passado, já me tivesse falhado severamente, nunca eu me tinha sentido tão frágil.
A minha Mãe veio passar uma temporada connosco para deitar a mão. Com um miúdo pequeno e o Marido a trabalhar, não é fácil. Apesar de, ao início, precisar de ajuda para tomar banho, vestir-me, descer escadas e afins, aos poucos as coisas foram regressando ao lugar. Hoje, já faço pequenos cozinhados, arrumo roupa, faço caminhadas um pouco maiores. Ainda não conduzo e não me visto completamente sozinha. Tenho de andar com uma cinta com barras de metal para não me sentir uma gelatina prestes a desfazer-se.
As dores são outra conversa. Nunca na vida eu pensei que as pudesse suportar a este nível. Apesar de estar com analgésicos fortes, elas cansam a minha cabeça. Apanhei uma infeção pós-operatória e já vou na sexta caixa de antibiótico.
Isto está a parecer conversa de sala de espera de Centro de Saúde, mas tem um propósito. Com todas estas dificuldades físicas inerentes ao pós-operatório, não foi difícil perceber quão boa era a minha vida. É certo que o problema que me levou à necessidade da intervenção cirúrgica não me estava a ajudar. Agora, contudo, tenho a consciência que a curva é ascendente. As coisas vão melhorar. Foi-me oferecida uma segunda vida, e eu vou aproveitá-la ao máximo.
Faço grandes planos para o futuro. Adivinho dias vindouros cheios de alegria, novas experiências, consolidação de laços e muitos e muitos planos de diversão em família. Já aqui tenho dito muitas vezes, não há coisa que seja mais importante para mim do que a família. Quanto à que eu constituí, sou a matrona típica. Levo esta casa para a frente, trato, cuido, organizo, mando e desmando. Canto e danço ao som da música pimba da rádio local, enquanto mexo a panela e o miúdo se ri, ou me diz que danço mal e ele é que sabe como é.
A vida vai voltar a sorrir-me. Tenho a certeza disso. Há momentos da vida que não são fáceis. A par das dificuldades do pós-operatório, enfrento problemas graves que não me estão a deixar recuperar merecidamente. Mas enquanto eu acreditar que a tempestade passará, que eu não baixarei os braços face às adversidades, eu terei forças para fazer chegar o barco à Terra Prometida!