Quem julga que sabe que se cale para sempre

(Imagem retirada da internet)



Os loucos, às vezes, curam-se, os imbecis, nunca.
Oscar Wild


Não é grande segredo para ninguém, nem eu quero que seja, que abomino toda e qualquer forma de manifestação de ignorância, por parte daquela camada da população que tem obrigação de não ser absurdamente ignorante. Sei que, por vezes, consigo ser bastante mordaz nas palavras, mas entre a acutilância verbal e a violência física, sempre escolhi a primeira. 
Não deixa de causar-me bastante perplexidade a alienação intelectual de certas pessoas que, não sendo analfabetas, não lhes faria falta frequentar sessões de "alfabetização" cívica, cultural, social, pessoal... Deixo a científica para outro patamar. Porquê? Falando na linguagem que melhor conheço, a formação do indivíduo não começa no ensino das primeiras letras. Ela começa no berço, nos primeiros contactos da criança com os seus cuidadores. Não querendo incorrer naquilo em que menos concordo em relação às teoria do Professor Doutor Daniel Sampaio, assim que damos o primeiro passo na escola, levamos para lá um sem-número  de vivências (positivas ou negativas, atendendo à subjetividade do conceito) pré-existentes.
Hoje em dia, surpreende-me o facilitismo, a falta de rigor com que se cumprem os deveres impostos pelos papéis sociais, etc. Eu, por exemplo, não sendo advogada ou jurista, já dei por mim a lidar com pessoas de determinadas instituições que não fazem a mais pequena ideia das normas que os regem, vulgus, não sabem o que lá andam a fazer! Não é de hoje que sou assim, há muitos anos, depois da licenciatura, quando ingressei no curso pedagógico, um ano antes de dar início ao estágio letivo, já conhecia de "trás para a frente" toda a legislação inerente ao ensino daquela época. Quando tenho um assunto para resolver é por aí que começo. Quando o meu Filho entrou para o 1.º ciclo, como estava desatualizada, inteirei-me de todo o novo manancial de legislação entretanto emanada. Ser cidadão é isto!
Saber ler e escrever não serve apenas para fazer face a pequenas questões do dia-a-dia: ler uma missiva, enviar um e-mail, um sms, ler o Correio da Manhã a Maria e a Nova Gente. Dei estes exemplos monstruosos porque revejo muito de Portugal nestas "leituras de cordel". 
Na infância, passei um ano na Guiné, onde o meu Pai projetava estradas e a minha Mãe era professora. Tenho sempre presente as conversas da minha Mãe acerca da avidez com que os alunos procuravam a instrução e o conhecimento. Se olharmos para além do nosso umbigo, há milhões de crianças, principalmente meninas, por esse mundo fora, cuja maior desejo seria poder ir à escola. A escola tem esta duplicidade de ser uma necessidade básica e um luxo, em simultâneo. Não recuemos muito, só em finais dos anos trinta, em Portugal, é que se assistiu a uma maior projeção do ensino primário em Portugal, com as chamadas "Escolas do Centenário", num frenesim inaugural com arranque a 1940. Quanto ao ensino liceal, permaneceu uma miragem para a esmagadora maioria dos jovens, com maior incidência nas meninas, cujo investimento nas despesas escolares era considerado dispensável. Os próprios edifícios liceais eram escassos, dificultando a frequência generalizada. É melhor ficar por aqui, versar sobre assuntos que me fascinam e aos quais me dedico há muitos anos, não é, aqui, o meu objetivo.
Há dias perdi-me em pensamentos acerca do denominado "analfabetismo funcional". Tristemente constato que a sociedade portuguesa, cujos índices de escolarização se encontram estrategicamente inflacionados, transpira ignorância e preconceito por todos os poros. Saber as letras não basta, é preciso saber pensar o que se lê, ter avidez de leitura, pensamento e reflexão. Nos dias que correm, aqui, em plena União Europeia, não é lícito, chegando a ser desrespeitoso, não utilizarmos a nossa literacia em prol de um mundo melhor.
Esta semana que passou, comemorou-se o dia da Saúde Mental. Analisei algumas iniciativas, entrevistas, textos e afins. Não pude deixar de constatar um denominador comum a todas estas reflexões - a abordagem sistemática que se faz à questão do preconceito. Como estas intervenções sociais poderiam ser tão mais proveitosas e informativas, se não se perdesse tanto tempo com estas questiúnculas desnecessárias! O que interessa que sejamos desejados e acarinhados pelo povo ou não?
Tenho 41 anos, desde que me lembro de mim, tenho sido  marginalizada sob muitas perspetivas. Quando ainda não se falava em bullyng, já eu era achincalhada nos recreios das escolas por onde andei, por ter nascido com uma mente diferente. Obviamente que tive fases em que a minha vida não estava facilitada, condenando-me a mim mesma ao isolamento. Se não tivesse sido assim, não seria a mulher e mãe que sou hoje. A verdade é que a minha estrada foi sinuosa e com cada curva e precipício com que me fui deparando, fui desenvolvendo "músculos" que me iam permitindo aprender a viver no submundo dos marginalizados. Quem sabe se, por um lado, tenha sido mais feliz assim. Pelo menos, nunca deixei de ser eu!
A resignação pode tornar-se um dom especial. Pode ensinar-nos, neste caso, não a encarrilar em "carneiradas", mas a adotar uma atitude de verdadeira liberdade. Não a das comemorações do 25 de Abril, mas a verdadeira, a de saber ser-se livre de mente, de pensamento e de escolhas. Sou bipolar, não vou deixar de o ser, não tenho necessidade de o esconder. Conheço bem as acusações criminosas que me imputam por isso. A doença mental é uma espécie de Adamastor que se teme, de quem se foge...
Cada qual com as suas prioridades. Lembro-me sempre de uma analogia que o meu Pai contava: Se se perguntar a um bêbado, onde fica o Banco, ele responde que fica depois da tasca, mas se se perguntar a uma beata, ela dirá que fica à esquerda da igreja. Tenho, portanto, um olhar atento sobre estas questões da doença mental, não sob um ponto de vista científico, em si, mas mais sociológico. Os aspetos físicos da minha doença, só me interessam na medida em que me ajudam a manter um estilo de vida benéfico para a minha estabilidade. Perder-me-ia se me espraiasse em exemplos muitíssimo negativos acerca da imagem que se propaga, pelos mais diversos canais, dos portadores de perturbações mentais. 
Eu própria, quando resolvi travar definitivamente as agressões de que o meu Filho estava a ser vítima na escola, por ter este tipo de doença, abri caminho para ser violentamente "atacada". Ou seja, o conhecimento que se tem de um elemento social que sofra deste problema, abre uma certa legitimidade para a criminalização da pessoa. É certo que as mentes esclarecidas se mantém à margem destas manifestações públicas de temor. Apesar de uma pessoa como eu não ser mais propensa, do que qualquer outra pessoa, a ser criminosa, a verdade é que não se tem essa noção. Lá está! É o tal, pensa-se que se sabe, mas na realidade nunca se leu nada sobre o assunto ou se teve uma conversa esclarecedora com alguém que saiba.
Há também um desconhecimento grande acerca do modo de vida de pessoas como eu. Mas a verdade é que também, quem condena e aponta o dedo acusador, não quer saber. Ser portador de doença mental em 2018 é como ser-se bruxa no tempo da Inquisição. É pena que em mais de cinco séculos de história não se tenha aprendido nada. 
As vivências sociais corroem, principalmente quando a individualidade se funde com o coletivo. Os fenómenos grupais são perigosos, não se duvida disso. Mas uma coisa são guerrilhas de adeptos em estádios de futebol, outra bem diferente são comunidades unidas, prestes a esmagar e destruir vidas porque, muito simplesmente, não fazem uma mais pálida ideia do que têm à frente. No entanto, nem todos se deixam esmagar, embora sejam inevitavelmente pisados, porque a liberdade democrática tem destas ironias. Qualquer um pode, com base no preconceito, fazer julgamentos e condenações públicas.
Onde moro, sou tida como louca, violenta, esquizofrénica e tantas outras coisas giras. Ressalve-se a muito boa relação que tenho com os vizinhos do meu pequeno "lugar". Assim é, porque estas queridas pessoas lidam comigo com uma frequência quase diária. Ou seja, jamais saberemos como é a "tresloucada", até conhecê-la, lidar com ela, falar come ela... Voltando à questão da leitura, a vida é como um livro, só sabemos o que lá está dentro, quando o começarmos a ler. O mesmo se aplica às pessoas!
Há dias, a propósito dos problemas que a minha família viveu devido às agressões sofridas pelo M. na escola, enquanto aguardava pela carrinha da escola, no carro com o miúdo, conversávamos sobre ele ouvir dizer que a mãe, eu, era maluca. Não é segredo para ele que eu tenho uma doença que me afeta o equilíbrio emocional. Ele próprio já me acarinhou nessas circunstâncias. Voltei a explicar-lhe que isso não interessa, que não se deve dar importância a essas maldades, porque não passam disso mesmo. Tornei a dizer que quando se tem uma doença na cabeça as pessoas gozam e tratam mal. Ele respondeu-me, com o ar mais puro deste mundo, com uma simples pergunta:

- Mãe, mas as pessoas não sabem que também podem ficar doentes?

Pois, meus caros, por isso eu vos digo: quem julga que sabe, que se cale para sempre. Nada de produtivo advirá daí!

Ponham os olhos no meu Filho, mas bem sei, ele já tem 7 anos!!!

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