É quase Natal, Natal de 2016. 2017 aproxima-se a grande velocidade. Está-se quase a completar o primeiro quartel do século XXI. Falar de século XXI é falar de inovação, globalização, tecnologia, multiculturalismo e tolerância. Fala-se, fala-se muito de muitas coisas. Ao invés, silenciam-se outras, por dificuldade de abordagem, vergonha ou medo. Há até mesmo aquelas palavras que assim que são proferidas, são logo silenciadas: não contes; não fales; não digas; o que é que as pessoas vão pensar!
O diálogo
sobre a doença mental é, maioritariamente, travado à porta fechada. Eu própria,
quantas vezes me retraio de afirmar-me doente mental?! Muitas. Por vergonha? Às
vezes e também porque, aos olhos dos outros isso não é uma doença. Só a minha
hipertensão arterial é que é um problema de saúde. Acham a Bipolar outra coisa,
talvez tenham pouca vontade de trabalhar, sejam fracos ou instáveis, etc..
Não é
nada disto! Sou doente! Sou portadora de doença Bipolar tipo II, que é uma
perturbação biológica que se manifesta em grandes oscilações cíclicas de
humor. Sou uma pessoa cuja saúde, ou falta dela, mexe com a minha vida. Não
tenho a sorte de ter saúde mental. Revolta-me olhar à minha volta e constatar a
desvalorização de que as doenças mentais são alvo. A conotação é válida para
tudo, segundo o que o povo diz, doentes, médicos, medicamentos, tudo é nefasto:
os doentes ou são tolinhos, ou preguiçosos, os médicos chupistas e a medicação
venenosa!
Esta é a
realidade do estigma
em torno da doença mental. Ela, para além de ser um assunto tabu, é relegada para um plano inferior,
como se houvesse doenças de primeira
e de segunda. Nós, os doentes mentais, sofremos pelo que a maleita
nos provoca e pelo que nos é infligido pela sociedade. Desconheço a realidade
noutros países ditos civilizados. Mas conheço muito bem a realidade nacional em
meio social, familiar e hospitalar. Se quiser pintá-la de uma cor, pintá-la-ia
de cinzento muito escuro. Só não seria totalmente uma realidade negra porque no
meu caminho, se foram cruzando pessoas solares, cheias de luz, que com o
seu amor, amizade, compreensão, carinho e competência me foram alumiando
o caminho...
Hoje, não
falo apenas de doença mental, de estigma
e de tabu. O que me traz aqui é
mais forte, mais estigma, mais tabu
- maternidade e doença mental. Meu Deus! Que mistura explosiva, dir-me-ão as mentes mais
ignóbeis!!
Eu conto
com cinco anos de maternidade. Tem sido um percurso difícil, fácil, tristonho,
divertido, preocupado, despreocupado, stressante, calmo, tudo isto e muito
mais, como na vida de todas as mães, ditas normais.
A
maternidade não é a imagem idílica do casal aos beijos a passear o carrinho do
recém-nascido à beira-mar. Também é isso, mas é muito mais. É dor, cansaço,
orgulho, alegria e sofrimento. Até agora, acho que não disse nada de novo. Muitas
mães identificam-se e revêm-se nisto. Se houvesse podium, estaríamos todas
orgulhosamente no pedestal de cima, com as flores e a medalha. Assim é, porque
damos o nosso melhor. Mas eu... eu nunca ficaria no cimo, o meu estatuto não mo permite por ser Mãe
Bipolar!
Tenho um
Filho e sou doente mental. E agora? Dois problemas, os que me são intrínsecos e
os que a sociedade me inflige. Ser mãe portadora de doença mental em Portugal é
mau. Sofre-se muito. Sofro por temer adoecer, sofro porque me olham de lado,
porque me criticam, porque me condenam. É como se por ser doente mental não
tivesse direito à maternidade.
Falar de
doenças psiquiátricas é falar de medicação e tratamento. Nenhum doente pode ter
qualidade de vida, ou mesmo levar uma vida dita normal, se não estiver devidamente medicado. As alterações
comportamentais de que padecemos não nos permitem levar uma vida estável aos
mais diversos níveis.
Sendo bipolar
e mãe, tendo mais essa responsabilidade (cuidar do M.), tenho de continuar a medicação
para poder exercer esta função acrescida. Nenhuma pessoa doente, consegue
cuidar do outro, principalmente quando a maleita se manifesta
comportamentalmente. Uma mãe bipolar tem de ter essa consciência. Por mim e
pelo M. tenho de estar equilibrada.
Ser mãe
bipolar é um grande desafio. É um desafio que se enfrenta diariamente. Ama-se
muito, mas também se sofre muito! Por amor a mim e ao M. não descuro os meus
tratamentos. Se antes podia esquecer-me de uma toma ou outra, hoje em dia, sou
muito escrupulosa nesse aspeto. Tenho de ter sempre presente que, se a
saúde me falha, deixo de ser capaz de cuidar do meu Filho. Sofro
essencialmente pelo temor que tenho de vir a adoecer. Sei que, quando
adoeço, o mundo desaba. Nada interessa, nem mesmo a própria vida! Cuidar de uma
criança nestas condições é deveras doloroso, pois se nem sequer consigo
cuidar-me a mim.
Por mais chocante
que possa parecer, as crises depressivas convidam às ideias suicidárias. E sim,
temo acabar com a vida e deixar o meu Filho órfão! É um temor latente que
constantemente sinto, mas só nos meus momentos saudáveis.
Por outro
lado, as crises psicóticas são difíceis de controlar. Não fosse a grande
consciência que tenho da minha doença, estes episódios poderiam deixar-me
completamente atordoada.
Pese
embora tudo isto ser mãe bipolar é bom! É bom porque faz de mim uma mãe mais atenta
e preocupada. Ao temer a hereditariedade, estou atenta às manifestações
precoces que possam surgir no meu Filho e mais preparada para o ajudar.
Ser mãe
bipolar tem sido uma experiência de amor e sofrimento. À semelhança da
manifestação da doença, oscila-se entre estes dois sentimentos opostos. Se faz
de mim feliz e realizada, é também uma trajetória de temor, de receios e até de
momentos de pânico. Não é fácil ser doente mental e mãe, mas não é impossível.
Para mim, nunca foi concebível ponderar não ter nenhum filho por causa desta
doença. Sinto-me uma pessoa igual a milhões de outras!
Não posso
terminar sem referir o apoio incondicional que tenho da família que me protege,
auxilia e ampara. Se sou a mãe que sou, também a ela o devo. E, como sei que a
importância da família é tão crucial por experiência própria, procurarei,
também eu, ser o apoio incondicional do M. pela vida fora!!
E assim
sou eu: Mãe bipolar...
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