O Drama do Diagnóstico ou a Luz do meu Caminho



Ao conseguir começar a ver uns pequenos frutos de um sonho há muito arquitetado, estou, infelizmente, cada vez mais convicta da veracidade das ideias que fui elaborando. Essas ideias resultaram das minhas próprias vivências, das minhas observações e das conversas que fui encetando, nos mais diversos contextos e sobre as mais diversas situações. 
Sem nunca perder de vista a existência de aspetos positivos na vivência da bipolaridade, em termos coletivos, consegui fazer uma listagem de itens negativos, transversais à esmagadora maioria dos portadores desta doença mental. Esta análise tem por base a "minha" amostra, não pretendendo ser mais do que isso. 
Obviamente que a doença, em si, não torna a vida fácil. Já soube de pessoas que sofreram muito, outras menos, mas vidas equilibradas, tranquilas e constantes, não deve haver muitas, no universo das vidas bipolares. 

De uma forma geral, as doenças mentais dotam-se de um estatuto bizarro. No Portugal profundo, quem nunca ouviu falar do típico maluquinho da aldeia? Não sou da aldeia, se é verdade ou não, não sei, mas certo é que quando vim morar para uma aldeia, lá estava um! Há uns dois anos que não o vejo, não sei se morreu, pois já tinha uns sessenta e muitos. Todos lhe passava ao lado, indiferentes, como é óbvio, mas era reciproco. A D.ª Ana do café, também falecida recentemente, dava-lhe religiosamente o pequeno-almoço. Um dia perguntei-lhe quem era, o que tinha e porque ninguém o ajudava - a Segurança Social, por exemplo. Respondeu-me que não tinha família, que já todos tinham morrido, e que sofria de esquizofrenia. Quanto às samaritanas da SS, foi-me dito que sabiam que ele andava por ali. Não sei se salvaguardar estas pessoas é da sua competência ou não, já nem me interessa. Sei de experiência feita que, essa estirpe de funcionários do Estado sabe tanto o que está a fazer, como eu de plantar batatas no primeiro ano que vim morar para a Serra. 

Eu própria, sou sobrinha-bisneta de uma afamada louca da aldeia, num lugar perdido no Alentejo. Pernoitava numa casa farta, mas deambulava pelas ruas de um lugar ainda mais, mas muito mais desinformado do que as vielas desta aldeia onde moro, quase no final do primeiro quartel do século XXI.

Não me quero espraiar em considerações que, aparentemente, fogem à questão. Digo aparentemente porque tenho a convicção muito forte de que a esmagadora maioria dos problemas que se prendem com a auto aceitação da doença mental, têm raízes profundas em ideias pré-concebidas seculares. A verdade é que não há como um belo diagnóstico de doença mental, para que um paciente se recuse a si mesmo, como paciente, entenda-se. 

A bomba do diagnóstico é, bastas vezes, vivido com uma dose de drama que eu, perdoem-me, nunca lhe consegui atribuir. Eu consigo entender muitos sentimentos que nós experienciamos, que normalmente nos são externos. Por exemplo, a rejeição da família, dos amigos, dos companheiros; os epítetos de preguiçosas, fracos, complicados; os apelidos de agarrados, drunfados e encharcados em químicos desnecessários; os sábios conselhos: arrebita, reage, pratica desporto, não penses mais nisso…. blá, blá, blá… Mas, a não aceitação da doença parece-me um "falso problema". Não me parece haver lugar a este tipo de introspeção. Bem sei que não é do meu feitio focar-me em situações concretas da vida, e escrutiná-las até não poder mais. Não sei se isso é bom, se é mau, mas a verdade é que me permite atravessar certas dúvidas de forma mais abrupta e impulsiva. 
Eu nunca não aceitei, ou seja, na minha vida não houve fase de não aceitação. E, ao que parece, felizmente para mim. Ultimamente tenho conhecido muitas pessoas bipolares e, a sua maioria sofreu muito no limbo desta fase. Sofreram, está sofrido! Mas se ainda vão a tempo, é melhor pararem de sofrer. 

Há quase vinte anos, por voltas que a vida dá, alguém me deu um contacto de um médico, o qual me veio a acompanhar por mais de uma década. Tinha 24 anos, estava a dar aulas pela primeira vez. Consigo recordar-me exatamente o que eu levava vestido. Estava um dia de sol e o consultório primava pelas cores claras e pelo minimalismo. Nesse dia não estava bem, mas também não estava mal, acho que estava equilibrada e contida. Aquele tipo de contenção mais intrínseco à pessoa que eu sou. Recordo-me até que, quando me perguntou pelo assunto do morte do meu Irmão, fui muito perentória ao dizer que não queria falar sobre isso. Tenho a nítida lembrança da sensação física de travar as lágrimas, e consegui!

Estive à conversa cerca de uma hora e meia. Construi o puzzle da minha vida do ponto de vista emocional. Referi as minhas inconstâncias, as dores provocadas pelas depressões profundas que vivi a vida toda. As minhas entregas solitárias a doses excessivas de álcool, as minhas aventuras e desventuras pelas noites do Bairro Alto. Todo o tipo de extravagâncias, mas essencialmente, carregava comigo uma esperança tão grande, mas tão grande, de conseguir colocar um ponto final à minha vida errante digna de sei lá bem o quê. A verdade é que as tragédias que tinha vivido até então, eram brincadeiras de criança, quando comparadas com todas as setas com que a bipolaridade me presenteou, até ao preciso momento em que me encontrava ali sentada, a conversar com um médico, num dia em que eu, mais uma vez, tinha esperança que alguém fosse capaz de me salvar daquele inferno de vida. À exceção da ilusória felicidade trazida pelos excessos, e da bizarra alegria que eu espalhava à minha volta, as contas davam um número muito negativo… Um sofrimento muito grande, ciclicamente não vivia, apenas respirava e desejava que tudo acabasse num ápice. Ninguém merece viver assim.

Bipolaridade Tipo II, é o que a Elsa tem. Trata-se disto, disto e daquilo. Porque estava em dia bom, repliquei que pensava que essa dualidade estava relacionada com o facto de ser do signo Gémeos. Recordo ter saído de lá mais leve. Finalmente eu não era um extraterrestre, eu não era estranha, eu não era exoticamente diferente, eu era apenas uma pessoa doente e, felizmente a doença não era terminal. 

Iniciei uma caminhada, não de aceitação, mas finalmente podia caminhar na direção da saída desta espiral de sofrimento. Não deixei de ser doente, mas pude começar a ser tratada de forma adequada à doença que tenho. Felizmente, encarei as coisas desta forma. Caminhar para a luz, é melhor que estar parada a tentar tapar a saída do túnel. É melhor olhar e andar em direção à luz, do que insistir na cegueira da toupeira, e permanecer debaixo do solo, sem sol à vista.

Não aceitar o diagnóstico teria sido uma grande perda de tempo para mim. Eu precisava de ser ajudada. Tornar-me o maior entrave a mim mesma, teria sido muita falta de perspicácia da minha parte. Mesmo quando estava no fundo do poço, eu só queria uma coisa na vida - ser feliz. E este seria, na altura, quiçá, o primeiro passo. Olhando para trás, sim, foi o primeiro passo, mas um grande passo para mim...

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