terça-feira, 4 de julho de 2017

Que feliz que eu sou!



Acabei de perder um ente numa morte trágica. Não conheci nada de novo, não foi nada que já não tivesse ocorrido na minha vida. Digo, por vezes em tom de brincadeira, que já trato a morte por tu.
Chorei ao ver a minha Mãe atirar as cinzas do meu Irmão ao mar. Chorei ao atirar as cinzas do meu Pai ao mar. E agora, sinto uma enorme responsabilidade com o fim a dar às cinzas da minha Avó. Mais uma vez, estou encarregue de fazer cumprir um último desejo. Ela adorava flores, árvores e afins. Ficará bem, mesclada com a natureza, numa cidade que ela amou com todas as suas forças.
Os encontros fortuitos que vou tendo com a morte, reavivam em mim memórias dolorosas, bem como despertam pensamentos metafísicos, nos quais equaciono milhares de coisas e acabo sempre por concluir acerca do quão frágeis são as nossas existências.
A verdade é que temo a morte com todas as minhas forças, não que ela bata à minha porta, mas que bata à porta de quem mais amo e me prive da sua companhia. Queria ter tido mais filhos, pois vivo ensombrada pela ideia de perder o meu. É algo que me transcende, que é irracional, mas que eu não consigo evitar.
Hoje, quando tive de deixar pela primeira vez o M. com pouca supervisão, tive um ataque de ansiedade como nunca tinha tido na vida. Toda eu tremia e estava encharcada em suores frios. Naquele momento considerei-me a pior mãe do mundo por tê-lo deixado ir. Vim para casa, deitei-me e chorei, tremi e suei, até que me deixei levar pelo  melhor antídoto que conheço, o sono.
Os contactos com a morte que vou tendo, avivam medos e acordam fantasmas em mim. Sou muito ansiosa, confesso, tenho medo, muito medo que a Morte desate a ceifar todas as vidas à minha volta e me deixe só. Há muito que digo que quero que ela me leve cedo, que não me deixe viver muitos anos. Só aspiro a deixar o meu menino criado e orientado. Se há uns anos, pouco me agarrava à vida, hoje, a semente que cá deixei ensinou-me a amá-la.
Conheço e compreendo a efemeridade da existência humana, já para não mencionar a sua fragilidade. É esta apreensão da vida que me leva a gostar tanto dela. A vida eterna deve ser aborrecida. A garantia da nossa vitalidade dificilmente nos daria motivação para fazer mais e melhor. É este sentir da sua efemeridade que me permite amar a vida com tanta intensidade. Se há uns anos brigava com as pessoas que me rodeavam, faziam beicinhos e chegava mesmo a amuar, qual criança mimada, tal se deveu, sem dúvida, à fraca consciência que tinha da minha própria fragilidade.
Se tenho um casamento feliz, boas relações familiares e sólidas amizades a esta consciência da vida o devo. Para mim nunca é demais pensar que, como tudo se esvai num ápice, o melhor é cultivar, regar e tratar tudo o que a vida nos oferece.
Tenho fraca saúde, mas isso não me demove de viver a vida. Quando olho para o M., resplandecente de saúde, a brincar na terra, a fazer construções de paus e pedras no seu mundo imaginário, só me cabe um dever: o de ser feliz!
Assim, e não querendo maçar por um discurso que não sendo, acaba por ter contornos meio mórbidos, tal a morbidez da minha cabeça ao momento, resta-me dizer que gosto da vida, que quando a doença não me bate à porta, amo-a com todas as minhas entranhas. E porque só assim sou capaz de amar Filho, Marido, restante família e amigos, não posso deixar de gritar ao mundo - Que feliz que eu sou!

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