quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Mães de cesariana


Após o feliz nascimento de mais uma "sobrinha", apraz-me falar das mães que, como eu, falam cesarianês. Tenho lido muito sobre o assunto. Há quase cinco anos, dei à luz o meu Filho de ventre aberto. Deitada num bloco operatório, anestesiada e ligada a muitas máquinas, vivi o momento mais importante da minha vida.
Não quero tecer juízos de valor, quero apenas aproveitar este meu cantinho para me exprimir livremente sobre o assunto. Acho, sinceramente, que cada mãe vive o nascimento do seu Filho à sua maneira. O erro está na intervenção opinosa de quem nos rodeia e que, longe de vaguear pelos nossos pensamentos mais profundos, tece ideias generalistas, quanto a mim pouco sensatas e mesmo dotadas, por vezes, de uma insensibilidade sem par.
Independentemente dos motivos que levam à intervenção cirúrgica, nós, mães de cesariana, somos legadas para uma categoria inferior, estamos num patamar diferente de maternidade. É atual e moderno ter um parto natural. A amamentação também está na ordem do dia (mas isso são contas de outro rosário). No meu caso, que tive o M. num Hospital Público, fui intervencionada pelo facto de não ter condições para sobreviver a um parto convencional. Sei, no entanto, de casos de mães que, por comodidade, medo ou outro motivo qualquer que não implique a direta sobrevivência da mãe e/ou do bebé, optaram por um parto cirúrgico. Sei também que nos estabelecimentos de saúde privados recorre-se muitas vezes a este método, por ser mais seguro. Mais do que isso, sei que não sou absolutamente ninguém para questionar as escolhas das outras mulheres. Por isto fico atónita ao ouvir/ler futuras mães, mães que tiveram partos naturais, profissionais de saúde e afins dizer que nós, mães de cesariana, não criamos vínculo afetivo com os nossos filhos. Não o criamos porque não passamos pelo processo natural do trabalho de parto. Não o criamos porque, muitas vezes, também não amamentamos. Não o criamos porque estamos meio anestesiadas ao longo de todo o processo.
Tenho conhecimento de uma mãe que ficou traumatizada por não poder ter tido um parto natural por questões de sobrevivência. Como pode uma mãe, pensando no bem do ser que se avizinha à sua guarda e destino de todo o seu amor, sentir-se mal simplesmente por não parir como devia??!!
A verdade é que somos socialmente malquistas porque tidas como incapazes de fazer o mais supremo sacrifício pelos nossos filhos. Somos tidas por egoístas que apenas pensam no bem-estar próprio. Mas pior do que tudo é o facto de se duvidar do nosso amor pelos nossos filhos.
O facto de eu ter dado à luz num bloco operatório, e não numa sala de partos, não faz de mim menos mãe. O facto de ter podido apenas beijar o meu Filho muito fugazmente no momento do seu nascimentos, também não implica que não tenha imediatamente criado um vínculo para a vida. ´
Uma mãe de cesariana é tão capaz de gostar do seu filho como qualquer outra. Não me sinto num patamar diferente de todas as outras mães que gostam e se prezam de o ser.
Daria a vida pelo meu Filho, tal como o fiz no dia em que o tive. A minha entrada para o bloco operatório não era garante da minha saída com vida. Como qualquer cirurgia, teve muitos riscos ao que os meus vários problemas de saúde não foram alheios.
Não pari, desconheço as dores do parto. Recuperar de uma cesariana numa cama de hospital durante seis dias, com um recém-nascido ao meu cuidado, também não foi um processo fácil. Conheço as dores de ter o ventre cortado e cisado, mas sinceramente, essas pouco me interessam, e pouca relevância têm para a ponte existente entre mim e o M.. Honestamente, sei que fisicamente foi duro mas não é disso que guardo memória, nem é disso que se trata. Sei também que as minhas opções e as da equipa médica visaram essencialmente preservar o bem-estar do meu Filho. Ele era o motivo e não eu! Centrar o nascimento de uma criança numa ocasião meramente feminina não é, a meu ver, uma atitude tolerante. Não me expresso intencionalmente acerca do parto natural. Não o admiro, nem deixo de o admirar. Admirável é haver mães que, como a minha, apesar da dor de ter enterrado um Filho, continua a lutar por mim! Admirável é haver mães que amam incondicionalmente os seus filhos, já que nem com todas isso acontece. Admirável é haver mães que, contra todas as expectativas conseguem, com a força movida pelo amor que têm pelos filhos, criá-los, educá-los e ajudá-los em que circunstância for.
Não sou menos mãe, não gosto menos do meu Filho nem, tão pouco, me sinto num outro patamar da pirâmide da maternidade. Não sou mais nem menos do que qualquer outra. Sou apenas e só a mãe que consigo ser, a mãe que as minhas forças permitem que seja, a mãe que, à semelhança de milhões de outras, faz tudo pelo seu Filho, a mãe que não tendo tido a dor conhece a força do superior amor maternal...

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